Leslie não se deu pressa no banheiro, pois necessitava aquela intimidade para recuperar-se.
Sempre resultava ligeiramente alarmante aquela perda do eu, da personalidade. Mike não parecia sofrê-la; ele sempre estava contente, e um pouco sonolento, quando se separava dela. Ouviu ranger a cama ao mover-se ele, provavelmente para apagar o cigarro. Não fumava muito, estava tentando deixá-lo, mas os momentos que seguiam ao sexo eram uma das ocasiões nas que mais lhe custava resistir ao tabaco. Hoje lhe tinha tremido um pouco a mão ao acionar o acendedor e tinha feito dançar a fraca chama.
Aquela delatora reação fez que Leslie se abrandasse por dentro, e permaneceu mais tempo do que o normal no banheiro para que ele não o notasse. Já era bastante mau que soubesse como se desmandava ela quando o tinha dentro, como gemia e se agarrava a ele com as mãos úmidas e agitando os quadris. Por mais que o tentasse, não podia permanecer quieta. E além disso estava muito úmida ali embaixo; ouvia os embaraçosos sons aquosos que produzia ele ao entrar e sair. Naqueles momentos não se sentia violenta, pois o único em que podia pensar era a febre que a consumia por dentro, mas a vergonha vinha depois.
Não acontecia o mesmo com o Alex. Com o Alex podia conter-se; ao que parece, ele o preferia assim, e Leslie sabia por que: Alex fingia que ela era Jane.
Não queria fazê-lo com o Alex, mas ao mesmo tempo sim o desejava. Não podia dizer que ele a forçasse, nem sequer para fazê-la sentir-se melhor pelo que estava fazendo. Amava ao Alex, entretanto... Era quase como um pai. Não podia ocupar o posto de seu pai, ninguém poderia, mas Alex tinha sido seu melhor amigo e tinha sofrido muito quando seu pai partiu daquela forma. Alex, em silêncio, tinha-lhe proporcionado um ombro sobre o que apoiar-se, sobre o que chorar se dava o caso. Às vezes, nos primeiros dias de horror, Leslie conseguiu fingir um pouco que ele era em efeito seu pai, que nada tinha mudado.
Mas o fingimento não durou muito. A horrível impressão sofrida aquele dia tinha alterado para sempre algo dentro dela, e tinha aceito que as coisas jamais seriam perfeitas. Seu pai não ia voltar; preferia viver com aquela vadia em vez de estar com sua família. Não amava a sua mãe e nunca a tinha amado.
Entretanto, Alex sim amava a sua mãe. Pobre Alex. Não se lembrava de qual foi à primeira vez que compreendeu como se sentia ele, quando viu a devoção e a tristeza em seus olhos; mas foi vários anos depois de que se fora papai. Foi mais ou menos quando convenceu pela primeira vez a sua mãe de que jantasse com eles. Ele conseguia de sua mãe mais do que tinham conseguido ela e Nick. Possivelmente fora a gentil e devota cortesia com que a tratava. Deus sabia que seu pai nunca tinha sido assim; era educado e amável, mas se via que se limitava a atuar por pura fórmula e que na realidade não se preocupava com ela como se preocupava Alex.
Recordava a noite em que ocorreu pela primeira vez. Nick se encontrava
Era uma gélida noite de inverno. No salão estava aceso o fogo, de modo que entraram ali e Leslie se dedicou a aliviar a expressão daqueles olhos. Sentaram-se no sofá diante da chaminé e falaram repousadamente de muitas coisas enquanto Alex se tomava uma taça de conhaque, sua bebida favorita. A casa estava em silêncio, a habitação na penumbra, só havia um abajur aceso. O fogo crepitava brandamente. E à luz das chamas Leslie devia parecer-se com sua mãe. Aquela noite levava o cabelo recolhido em um coque, e sempre se vestia com aquele estilo clássico e conservador que preferia sua mãe. Por todas aquelas razões, o conhaque, a solidão, a habitação meio às escuras, sua própria desilusão, seu aparência com mamãe... Aconteceu.
Um beijo se converteu em dois, e logo
Pelo visto, Alex não se deu conta de que ele era o primeiro. Em sua mente, ela era mamãe.
E na mente de Leslie, que Deus a ajudasse, ele era seu pai.
Aquilo foi tão doentio que ainda sentia nojo de si mesmo. Jamais tinha experimentado nenhum desejo sexual por seu pai; não tinha experimentado nenhum outro, até que apareceu Mike. Mas no tumulto de emoções daquela noite, pensou: ao melhor não se vai, se eu lhe der o que não lhe quer dar mamãe. Assim tomou o lugar de sua mãe e se ofereceu sexualmente a modo de suborno para reter seu pai
Mas aquela noite foi à primeira de muitas, ao longo dos sete últimos anos. Embora não foram tantas, pensando-o bem. Provavelmente se tinha deitado com o Mike mais vezes em um só ano que com o Alex
A última vez tinha sido só dois dias antes, quando Nick esteve
Não era assim com o Mike. Ainda não sabia o que o atraía dela nem como tinha deixado que as coisas tivessem chegado tão longe. Ele tinha crescido em Nashville, de modo que o conhecia, sabia como se chamava, tinha falado com ele toda a vida. Tinha cinco anos mais que Nick, e quando ela terminou o colegial, ele já era agente do escritório do xerife. Casou-se com sua namorada do colégio e tinham tido dois meninos. Era o matrimônio perfeito, e um dia sua mulher o abandonou, assim, de repente. Ela se mudou a Bogalusa e voltou a casar um par de anos mais tarde. Seus filhos tinham já dezessete e dezoito anos, e mantinha boas relações com eles.
Mike tinha boas relações com todo mundo, disse-se Leslie curvando a boca em um sorriso. Por isso o escolheram xerife quando o xerife Deese se aposentou três anos atrás. Era de verdade um bom tipo, desdenhava os trajes em favor do uniforme e preferia as botas aos sapatos com lingüeta. Era um homem de um metro e oitenta de estatura, com cabelo escuro e amistosos olhos azuis, e um salpicado de sardas que lhe cruzava o nariz. Um menino grande.
Um dia, fazia um ano, Leslie foi à cidade e decidiu almoçar no restaurante da cidade, que tinha os melhores hambúrgueres de todos. Mamãe teria se horrorizado ao ver que tinha um gosto tão plebeu, mas lhe encantavam os hambúrgueres e de vez em quando se dava o capricho. Estava sentada à pequena mesa quando entrou Mike, pediu também um hambúrguer e se dispunha a retornar a seu posto quando de repente se deteve junto a sua mesa e lhe disse se podia sentar-se com ela. Leslie, surpreendida, disse-lhe que sim.
No princípio esteve um pouco rígida, mas Mike era capaz de abrandar as pedras. Em seguida estavam rindo e falando com tanta naturalidade como se fossem amigos. Outro momento de estranheza foi quando lhe pediu que jantassem juntos; sabia muito bem que sua mãe não o aprovaria. Mike McFane não tinha nada de bom tom social. Mas aceitou e, para surpresa dela, ele mesmo preparou o jantar, filés à churrasqueira, no pátio traseiro de sua casa. Agora vivia na pequena granja em que se criou, cujo vizinho mais próximo se encontrava a dois quilômetros estrada abaixo, e Leslie se relaxou com a tranqüila solidão daquele lar rural.
Relaxou-se o bastante, depois de jantar e dançar música country da rádio, para mover-se devagar ao redor da pequena sala de estar até deixar-se levar ao dormitório. Não tinha pensado permitir-lhe nem sequer lhe tinha ocorrido que ele pudesse tentá-lo, mas Mike começou a beijá-la, e seus beijos eram quentes e lentos, e pela primeira vez em sua vida experimentou a pontada do desejo no mais profundo de seu corpo. Alarmada pelo que estava acontecendo, e por quão depressa ia tudo, de todos os modos ficou dentro do dormitório e lhe deixou que lhe baixasse o zíper do vestido e depois lhe tirasse o sutiã. Ninguém lhe tinha visto nunca os seios nus, mas de repente Mike não só os viu, mas também além ficou a chupá-los. A pressão daquela boca fez enlouquecer a Leslie, e ambos caíram sobre a cama. Mike não era dos que penetravam discretamente, com as calças meio abaixadas; logo estiveram os dois nus, entrelaçados um no outro sobre os lençóis de algodão, e aquela pontada de desejo explodiu em um desenfreio que ainda hoje a alarmava.
Uma dama não atuava daquela maneira, mas é que ela sempre tinha sabido que não era uma dama. Sua mãe o era, e Leslie se passou à vida tentando ser como ela, para que a quisesse, mas sempre se ficou curta. Sua mãe estaria horrorizada e enojada se soubesse que sua filha passava várias horas à semana na cama com o Mike McFane — precisamente tinha ido escolher ao xerife!— transando como uma coelha.
Às vezes Leslie sentia rancor pelas restrições que lhe tinham inculcado desde o berço. Nick não estava sujeito nem confinado por todas as coisas que não deviam fazer as senhoritas. Era como se sua mãe tivesse descartado ao Nick como uma causa perdida desde o instante de seu nascimento; ele era varão, portanto esperava que atuasse como um animal. Como ela era uma senhora, não tinha feito caso das escapadas sexuais do pai e do filho, aquelas coisas careciam de interesse para ela, e esperava que tampouco interessassem a sua filha.
Não funcionou assim, embora Leslie o tentasse. Tentou-o de verdade, durante os primeiros vinte e cinco anos de sua vida. Inclusive depois do isolamento de sua mãe depois da fuga de papai, seguiu tentando-o com a esperança de que, se era boa, sua mãe não sofreria tanto o abandono de papai.
Mas sempre tinha ansiado mais. Sua mãe era tão reservada e fria, perfeita, intocável. Seu pai era quente e carinhoso, abraçava-a, brincava com ela apesar de que Jane desaprovava semelhante alvoroço com sua filha. Nick era ainda mais físico que seu pai; sempre ardeu com um fogo interior que Leslie reconheceu desde muito jovem.
Lembrava-se de uma ocasião, quando Nick estava de férias de casa em sua época universitária, em que ficaram uns momentos depois da sobremesa, conversando. Nick estava trepado em sua cadeira com aquela graça felina que possuía, rindo enquanto descrevia uma brincadeira que lhe tinham ensinado alguns dos jogadores de futebol ao treinador, e naquele momento percebeu...
Não saberia explicá-lo bem... Uma espécie de sensualidade em estado silvestre em sua forma de inclinar a cabeça, no movimento da mão para levantar o copo. Olhou a sua mãe e descobriu que esta estava observando fixamente ao Nick com uma expressão de repulsão na cara, como se, se tratasse de um animal asqueroso. É que, em efeito, era um animal, naturalmente, um moço adolescente são e indômito, gotejando testosterona. Mas não tinha nada de repulsivo, e Leslie o lamentou por ele, por aquela desaprovação.
Nick era um irmão maravilhoso. Não sabia o que teria feito sem ele, nos dias horríveis que seguiram à fuga de papai. Estava tão envergonhada de sua tentativa de suicídio que jurou que nunca voltaria a ser tão débil e supor uma carga para o Nick. Teve que fazer um grande esforço, mas cumpriu sua promessa. Não tinha mais que olhar as finas cicatrizes de cor pálida de seus pulsos para recordar-se a si mesmo qual era o preço da debilidade.
Ao ver Bella Smith no estacionamento da loja de comestíveis ficou tão impressionada que, pela primeira vez em muito tempo, caiu no antigo costume de recorrer em seguida ao Nick, esperando que ele solucionasse seus problemas. Sentia-se enojada consigo mesma por haver-se desmoronado daquela forma, mas quando viu aquele cabelo vermelho escuro, uma cor tão intensa que quase parecia o do vinho, esteve a ponto de parar-se o coração. Durante um instante de perplexidade pensou: papai retornou! Porque se Renée estava ali, era certo que seu pai também.
Mas a seu pai não o via por nenhuma parte. Somente estava Renée, com um aspecto mais jovem que quando partiu, o qual era uma verdadeira injustiça. Alguém tão malvada e depravada como Renée Smith deveria levar seus pecados escritos na cara para que todo mundo os conhecesse.
Mas o rosto que olhou a ela a sua vez possuía uma cútis deliciosa, como sempre, sem uma só ruga à vista. Os mesmos olhos verdes e sonolentos, a mesma boca grande, suave e sensual. Não tinha mudado nada. E por um instante, Leslie foi de novo à moça ferida e necessitada que tivesse sido antes, e foi correndo ao Nick.
Só que não era Renée; a mulher do estacionamento era Bella Smith, e Nick se mostrava estranhamente resistente a utilizar sua influência contra ela. Leslie não recordava grande coisa de Bella, só tinha uma vaga lembrança de uma menina esquálida que tinha o mesmo cabelo que sua mãe, mas aquilo não importava. O que não foi vago absolutamente foi à pontada de dor que sentiu ao vê-la, a acumulação de lembranças, aquela velha sensação de abandono e traição. Depois lhe dava medo ir à cidade, medo de voltar a tropeçar-se com Bella e experimentar a ardência do sal naquela ferida reaberta.
—Leslie? —chegou-lhe a voz preguiçosa do Mike. —Vais dormir aí, querida?
—Não, só estou me arrumando — respondeu, e abriu o grifo do lavabo para dar credibilidade àquela mentira. Seu reflexo lhe devolveu a imagem de sua cara. Não estava mal para ter trinta e dois anos. Tinha o cabelo escuro e brilhante, não tão loiro como o do Nick, mas sem um só fio branco. Seu rosto era de ossos finos, como o de sua mãe, mas possuía os olhos claros dos Carter. Tinha um pequeno excesso de peso, mas seus seios eram firmes.
Quando saiu do banheiro, Mike estava ainda convexo nu na cama e um lento sorriso iluminou seu semblante ao mesmo tempo em que lhe estendia uma mão.
—Vêem, te aproxime — a convidou, e a Leslie o coração deu um tombo. Voltou a subir à cama, a desfrutar do calor dos braços dele. Mike a acomodou contra si com um suspiro de satisfação, e moveu sua enorme mão para lhe apertar carinhosamente um seio.
Acredito que deveríamos nos casar — disse ele em um tom totalmente normal. Essa vez não só lhe deu um tombo o coração, mas também quase lhe parou. Ficou olhando com os olhos redondos, uma mescla de pânico e perplexidade.
—Nos casar? —balbuciou, e ato seguido se levou as duas mãos à boca para conter a risada histérica que pugnava por sair. — Mike e Leslie McFane? —A risada saiu de todos os modos.
Mike mostrou um largo sorriso.
—Dito dessa maneira, parece que somos gêmeos. Posso viver com isso, se você quiser. —Acariciou-lhe o mamilo com o polegar, desfrutando ao ver como se erguia sob seu contato. —Mas se tivermos um menino, poremos-lhe um nome que comece por qualquer letra que não seja um M ou L.
Matrimônio. Filhos. OH, Deus. Por alguma razão que desconhecia jamais imaginou que Mike quisesse casar-se com ela. Nem sequer tinha pensado no matrimônio em relação consigo mesma. Sua vida se congelou doze anos atrás, e nunca tinha pensado que pudesse mudar.
Mas nada é estático. Até as rochas mudam, limadas pelo tempo e os elementos. Alex não tinha alterado o ritmo uniforme de sua vida, mas Mike tinha irrompido nele como um cometa.
Alex. OH, Deus.
—Já sei que não tenho muito que te oferecer, estava dizendo Mike. —Estou seguro que esta casa não se parece em nada ao que você está acostumada, mas estou disposto a arrumá-la como você quiser; não tem mais que me dizer o que quer que faça, e o farei.
Outra surpresa. Tinha vivido seus trinta e dois anos de vida na mansão Carter. Tentou imaginar-se vivendo em outra parte, e não pôde. Doze anos antes se vieram abaixo os alicerces de sua vida, e depois não tinha levado bem nenhuma mudança, nem sequer um relativamente pequeno como comprar um carro novo. Nick a tinha obrigado finalmente a desfazer-se de que tinha aos dezenove anos, igual há, cinco anos antes, tinha-a obrigado a decorar de novo seu quarto. Levava anos completamente farta daquela decoração infantil, mas a idéia de trocá-la a fazia sentir-se ainda pior. Supôs um alívio que Nick trouxesse um decorador um dia em que ela tinha consulta com o dentista, e ao retornar se encontrou com o papel já arrancado das paredes e o carpete levantado do chão. Mesmo assim, passou-se três dias chorando. Era o pouco que ficava de sua vida anterior à fuga de papai tal como era, e lhe doía renunciar a isso. Quando deixou de chorar e o decorador terminou seu trabalho, ficou encantada com a habitação; a transição foi o que lhe resultou doloroso.
—Querida? —dizia Mike agora, com um tom de vacilação na voz. —Sinto muito, talvez pensei que...
Leslie se apressou a lhe tampar a boca com a mão.
—Não te ocorra te rebaixar ante mim — lhe disse em um tom grave e violento, lhe doída por dentro que Mike pudesse pensar nem por um segundo que ela se considerava muito boa para ele. Era precisamente justamente o contrário: Mike resultava muito bom para ela. Só dois dias antes se deitara no sofá de couro do escritório do Alex e tinha deixado que este transasse com ela. Uma palavra desagradável. Um ato desagradável. Não guardava nada em comum com o ato de amor do Mike. Não havia sentido nada, exceto pena, e alívio ao terminar.
Se Mike soubesse do Alex, já não a desejaria. Como ia desejá-la? Tudo no ano anterior acreditou que pertencia só a ele, e durante todo aquele tempo ela tinha se permitido transar com um amigo da família, igual a durante os seis anos anteriores.
Não se sentiu absolutamente culpada, pelo Alex, quando Mike se converteu em seu amante. Com o Alex não sentia conexão alguma; como ia sentir? Nem sequer era ela a que o fazia, a não ser sua mãe. Mas sim que a devorou o sentimento de culpa quando foi com o Alex porque supunha uma profunda traição ao Mike. Teria que lhe dizer que aquilo tinha que acabar, mas o velho terror seguia habitando ali, enterrado no mais profundo. Se deixasse de permitir que transassem, partiria? Importaria algo que assim o fizesse? Já não era uma adolescente ferida e confusa, já não necessitava de seu pai... Ou mas bem a seu sucedâneo.
Mas, o que aconteceria a sua mãe se Alex deixasse de ir a sua casa? Ele a amava, mas, poderia suportar vê-la, tão longínqua para ele, se não tivesse o alívio de fingir que o fazia amor?
—Amo-te — disse agora ao Mike, com as lágrimas escorrendo por suas bochechas. —É que... Jamais me ocorreu que quisesse casar comigo.
—Tola. —Enxugou-lhe as lágrimas, e um sorriso inclinado iluminou seu rosto de menino grande. Tem-me feito falta um ano para reunir a coragem necessária e me atrever a lhe pedir, isso é tudo — disse ruborizando-se.
Ela conseguiu sorrir a sua vez.
—Espero que não me faça falta tanto tempo para reunir coragem e te dizer que sim.
—Dá-te medo, né? —perguntou, rendo.
—Qualquer... Mudança me resulta muito difícil.
Tragou saliva, aterrada ante a perspectiva e com medo de falar do Mike a sua mãe. Nick já estava informado, é obvio; não era nenhum segredo que se estavam vendo, mas ninguém suspeitava que levavam um ano deitando-se. Mas como sua mãe nunca ia já à cidade e tampouco tinha amigas que a visitassem, não sabia nada do que estava ocorrendo. Não ia gostar disso por duas razões. A primeira, não gostaria da idéia de que Leslie se casasse com ninguém, porque isso significaria que sua antiga filha se veria sujeita ao asqueroso contato de um homem. Segundo, não gostaria sobre tudo se esse homem fosse Mike McFane. Os McFane nunca tinham sido outra coisa que granjeiros pobres, e certamente não se encontravam no mesmo nível social que os Carter. O fato de que Mike fosse o xerife não o fazia ganhar pontos a seus olhos; tratava-se somente de um funcionário que ganhava um salário bom, mas nada espetacular.
E teria que contar ao Alex.
—Tudo ficará bem — disse Mike para reconfortá-la. —Vou começar por reformar a casa. Deverá estar terminada em, uns seis meses. Isso te dará tempo suficiente para te acostumar à idéia, não?
Leslie levantou a vista para aquele amado rosto e disse:
—Sim.
Sim a tudo. O coração lhe pulsava com violência. As arrumaria. O diria a mamãe e faria frente a sua gélida desaprovação. Ao Alex diria que já não podia seguir vendo-o. Ia-lhe doer, mas ele entenderia. Não abandonaria sua mamãe, era absurdo pensar sequer nisso. Tinha que ver as coisas como uma pessoa adulta, não como uma menina assustada. Alex já não era só um amigo porque lhe tinha permitido que lhe colocasse sua coisa; era o representante legal do Nick, e um amigo da família inclusive já antes que ela nascesse. Provavelmente fosse só que tinha adquirido o costume de utilizá-la. Ao melhor se alegrava de ter uma desculpa para deixar de fazê-lo, ao melhor se sentia tão culpado a respeito como ela se sentia.
Tinha que endireitar as coisas o mais cedo possível. Não podia falhar nem sequer no mínimo, porque então se embrulharia tudo. Ante ela se apresentava uma vida normal, feliz, como o anel dourado de um carrossel, que poderia ser dela se conseguia fazer o correto. A última vez, seu sonho ficou destroçado pela Renée Smith...
Seus pensamentos sofreram uma sacudida. Embora Mike a tinha euforicamente abraçado, um rosto surgiu ante ela: olhos verdes e sonolentos, uma boca sensual que voltava loucos aos homens. Renée seguia ali, na forma de sua filha.
Bella tinha que ir embora. Sua mãe seria muito mais feliz se Bella partisse da cidade. Talvez inclusive aprovasse a ela, se fosse quem obrigasse Bella a partir. E se também participasse Mike...
Empurrou-o com as mãos nos ombros nus.
—Há um problema.
Ele a soltou com um suspiro de desilusão. A razão daquela desilusão se movia nervosa em seu colo.
— Qual?
—Minha mãe.
Mike suspirou outra vez.
—Pensa que não vai gostar da idéia de que te case comigo?
—Não vai gostar da idéia de que me case com quem é — replicou Leslie em tom arisco. —Você não sabe... Vai zangar se muito.
Mike estava perplexo.
—Por Deus, por quê?
Leslie se mordeu o lábio, incômoda por arejar os trapos sujos de sua família.
—Porque isso significa que dormirei contigo.
—Naturalmente que vamos A... OH. —Desta vez era ele o incômodo. Provavelmente se lembrava de toda aquela fofoca sobre o acordo que tinham seus pais. —Suponho que não gosta dessas coisas.
—Odeia só pensar nisso. E agora que Bella Smith voltou para Nashville, já está alterada.
Leslie ia levando com cautela para onde queria que fosse. — Se Bella se fosse outra vez, mamãe estaria de muito melhor humor, mas eu não sei como fazê-lo. Nick está tentando obrigá-la a partir, mas diz que não há muito que possa fazer que não seja como antes.
Para sua surpresa, Mike ficou quieto e uma expressão grave obscureceu seu rosto. Tinha desaparecido a alegria de um momento atrás.
—Sei como se sente. Eu tampouco quereria fazer nada para expulsar essa moça de outra casa mais.
Leslie retrocedeu, molesta ao ver que tinha respondido justamente o contrário do que ela pretendia. Esperava que o tivesse entendido imediatamente.
—É uma Smith! Não posso olhar sua cara sem sentir nojo...
—Ela não fez nada — assinalou Mike em um tom razoável que fez que lhe chiassem os dentes. —Tiveram problemas com todos outros Smith, mas com ela, não.
—Fisicamente é a cópia de sua mãe. Mamãe esteve a ponto de deprimir-se quando se inteirou de que um dos Smith tinha vindo viver aqui.
—Não existe nenhuma lei que diga que não se pode viver onde se deseje muito.
Como parecia lhe custar entender a medula da questão, Leslie decidiu falar sem rodeios.
—Você poderia fazer algo a respeito, não? Nick não está fazendo grande coisa, mas te poderia ocorrer algum modo de obrigá-la a partir.
Mas Mike negou com a cabeça, e a Leslie lhe encolheu o estômago de decepção.
—Eu estive ali na vez anterior — começou dizendo em um tom sóbrio e com uma expressão distante e sombria que obscurecia o azul de seus olhos. —Quando os tiramos daquele barraco em que viviam. O resto dos Smith não tinham para mim a mínima importância, foi bom livrar-se deles, mas Bella e o menino pequeno... Bom, eles sofreram. Jamais esquecerei a expressão que tinha na cara, aposto como Nick ainda pensa nisso também. É provável que por isso o esteja tomando com calma esta vez. Deus sabe que eu não poderia voltar a fazer nada parecido a essa moça.
—Mas se minha mãe... —Leslie se interrompeu. Mike não ia fazê-lo. Ele não o compreendia, estava claro, porque não vivia com sua mamãe, porque não sabia o dano profundo que causava sua fria desaprovação.
Controlou seu desencanto e lhe sorriu. —Não importa. Já arrumarei isso com minha mãe.
Mas como? Jamais tinha conseguido arrumar-lhe com sua mãe, fazer que lhe escorregassem as coisas dolorosas que dizia igual a Nick. Sabia que Nick amava sua mãe, mas durante boa parte do tempo não o fazia nenhum caso. Leslie ainda se sentia igual a uma menina nervosa, tentando desesperadamente estar à altura das normas fixadas por sua mãe, e sempre ficando curta.
Teria que fazê-lo. Não podia perder ao Mike. Diria ao Alex que não poderia seguir vendo-o e de algum modo —de algum modo— se livraria de Bella Smith e conseguiria que sua mãe se sentisse tão feliz que não lhe importaria que ela se casasse.
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