Ed Morgan saiu deliberadamente ao encontro do Bella quando esta entrava em sua loja.
—Sinto muito — lhe disse sem aspecto de lamentá-lo absolutamente. —Não tenho nada que você necessite.
Bella se deteve e o olhou sem alterar-se.
—Ainda não sabe o que preciso — assinalou.
—É igual. —O lojista se cruzou de braços e sorriu zombadoramente. —Temo que tenha que ir comprar em outra parte.
Bella fez um esforço por reprimir sua cólera. Detectou naquilo a fina mão do Nick Carter, e não ia conseguir nada ficando a discutir com o senhor Morgan, exceto possivelmente que a detivessem por alterar a ordem pública, o qual viria estupendamente ao Nick.
Tinha cumprido sua palavra de lhe pôr as coisas difíceis. Nem dez minutos antes, o atendente do posto de gasolina em que parou lhe havia dito sem cortar-se que lhes tinha acabado o combustível e que teria que ir a outro lugar. Naquele momento havia um homem na bomba do lado enchendo o tanque.
Se Nick acreditava que aquilo ia intimidá-la, tinha subestimado gravemente a seu rival. Podia demandar àquelas pessoas por negar-se a lhe prestar serviço, mas isso não a faria muito popular na cidade. Sua intenção era viver ali, de maneira que descartou aquela opção. Além disso, a verdadeira batalha era a que se livrava entre ela e Nick; outros eram algo secundário.
Elevou-se de ombros e deu meia volta para partir.
—Muito bem. Se você pode prescindir de meu dinheiro, eu posso prescindir de seus artigos.
—Todas as demais lojas da cidade se encontram na mesma situação — disse o senhor Morgan a suas costas, rindo. —Acabam de ficar sem o estoque do que você necessita.
Bella pensou em lhe fazer o gesto com o dedo, mas conteve o impulso; ou então ele tomava como um convite. Dirigiu-se com passo tranqüilo para seu carro. Estava claro que teria que fazer as compras e pôr gasolina em outra parte, mas aquilo não era mais que um desconforto, não um problema insolvável.
Desconforto a curto prazo, claro; a longo prazo teria que fazer algo a respeito. E a muito curto prazo, parecia uma fúria.
Na esquina havia uma cabine telefônica; Bella passou do lado em seu carro e foi até ela. Dentro havia uma lista telefônica pendurando de um rígido cordão de metal. Era muito provável que os Carter tivessem um número de telefone que não figurasse na guia, resmungou em silêncio ao mesmo tempo que abria a magra agendinha de telefones e passava as páginas até chegar a C. Mas não, ali estava. Extraiu de sua carteira uma moeda de vinte e cinco centavos e a introduziu na ranhura, e seguidamente marcou o número.
Ao segundo tom respondeu uma voz de mulher.
—Residência dos Carter.
—O Sr. Nick Carter, por favor — disse Bella em seu tom mais formal.
—Pode me dizer quem o chama?
—A senhora Hardy — respondeu.
—Um momento.
Não tinham transcorrido mais de dez segundos quando se ouviu um estalo na linha e a seguir a voz grave e aveludada do Nick que ronronou:
—É você a autentica senhora Hardy?
Bella captou o tom zombador naquela voz, e agarrou o telefone com tal força que se maravilhou de que não se rachasse o plástico.
—Sou.
—Bom. bom. Suponho que não estará pensando em pedir favores tão cedo, não é verdade, querida? O que posso fazer por ti? Nem sequer tentou dissimular a satisfação no tom de voz.
—Nada absolutamente — replicou Bella com frieza. —Só queria que soubesse que seus truques infantis não vão servir-te de nada. Farei que me enviem as provisões de Dallas, antes de te dar a satisfação de ver como vou!
Desligou o telefone antes de que ele pudesse responder e se encaminhou para o carro. Na realidade não tinha conseguido nada, exceto desafogar-se um pouco e fazer ter sabor ao Nick que se deu conta de quem estava por trás do último que tinha acontecido e que não ia funcionar. De todos os modos foi satisfatório.
Na residência dos Carter, Nick se recostou em sua poltrona com uma risada. Estava certo sobre o forte temperamento de Bella. Teria-lhe gostado de vê-la naquele preciso instante, com aqueles olhos verdes cuspindo fogo. Ao melhor sua manobra a tinha feito seguir mais em sua meta em vez de insisti-la a ir a um lugar mais amistoso, mas uma coisa era certa: tinha provocado uma reação nela! Então seu olhar se voltou mais penetrante. Então era Dallas, né?
Talvez devesse indagar um pouco por ali.
Bella se permitiu continuar furiosa durante um minuto e depois deixou a um lado sua cólera por considerá-la uma perda de energia. Negava-se a abandonar aquela cidade e a permitir que Nick Carter a esmagasse. Conseguiria que mudassem a opinião que tinham dela embora lhe custasse vinte anos! Compreendeu que a chave para fazê-los mudar de opinião consistia em demonstrar que Bob Carter não fugiu com sua mãe. Fosse qual fosse a razão pela que se foi a sua família não podiam lhe jogar a culpa. Se levasse isso em conta, tinha muitas mais raciocine para estar ressentida que os Carter ou com qualquer outra pessoa daquele lugar.
Entretanto, saber que Bob não fugiu com Renée e prová-lo eram duas coisas muito distintas. Possivelmente, se pudesse obter que Renée falasse com Nick, pelo menos este sentiria suficiente curiosidade para ficar a procurar a seu pai. Talvez já o tivesse feito, e a senhora DuBois da biblioteca simplesmente não conhecia o resultado de dita busca. Mas se Bob estava vivo, em alguma parte tinha que haver um documento que assim o testemunhasse e que pudesse encontrar-se. Dirigiu-se a Tampa, onde encheu o tanque do carro e comprou os poucos produtos que necessitava. Vá com os esforços do Nick por matá-la de fome, pensou com satisfação ao retornar a casa com a bolsa repleta. Nem sequer tinha tido que ir-se muito longe.
Uma vez teve colocado as coisas, entrou no escritório e chamou a sua avó Armstead, no Jackson. Igual à vez anterior, respondeu Renée.
—Mamãe, sou Bella.
—Bella! Olá, querida — disse Renée com sua voz preguiçosa e sensual. —Com vai, querida? Não esperava voltar a falar contigo tão cedo.
—Estou bem, mamãe. Mudei para Nashville.
Produziu-se um instante de silêncio na linha.
—E por que tem feito isso? Pelo que me contou Jodie, ali as pessoas não te trataram bem.
—Era meu lar — repôs Bella com simplicidade, sabendo que Renée não compreenderia. —Mas não te chamei por isso. Mamãe, aqui todo mundo segue acreditando que você fugiu com o Bob Carter.
—Bom, já te disse que não era verdade, não? Não me importa o mínimo o que pensam.
—Mas é que me está causando alguns problemas, mamãe. Se consigo que Nick Carter te chame, poderia falar com ele e lhe dizer que não fugiu com seu pai?
Renée lançou uma risada nervosa.
—Nick não acreditaria em nenhuma palavra do que eu lhe dissesse. Bob era fácil de convencer, mas Nick... Não, não quero falar com ele.
—Mamãe, por favor. Se não te acreditar, dane-se ele, mas...
—Hei dito que não — a interrompeu bruscamente Renée. —Não penso falar com ele, e você está desperdiçando saliva. Importa-me um nada o que pensem esses bodes de Nashville. —E pendurou o telefone de um golpe. Bella fez um gesto de dor ao sentir a porrada no ouvido.
Deixou o telefone em seu lugar com o cenho franzido. Pela razão que fora, a Renée a punha nervosa a possibilidade de falar com o Nick, e isso significava que não tinha muitas possibilidades de fazê-la mudar de opinião. Renée não tinha sido nunca das que se esforçavam muito por ninguém, nem sequer em um pouco tão simples como uma chamada telefônica.
Bem, se Renée não queria falar com o Nick, então teria que procurar alguma outra forma de convencer a este, e a melhor era averiguar o que lhe tinha passado ao Bob na realidade.
Como fazia para averiguar se uma pessoa desaparecida doze anos atrás estava viva ou morta? Perguntou-se Bella. Ela não era detetive, não conhecia os procedimentos necessários para acessar aos arquivos que normalmente se examinavam quando se buscava a alguém. Supôs que o que tinha que fazer era contratar a um autêntico detetive privado que soubesse aquelas coisas. Mas resultaria caro, e ela não dispunha de muito dinheiro extra depois de haver-se gasto todo o efetivo restante na casa.
Onde poderia encontrar um detetive? Em Nashville não existia nenhum, mas supôs que sim o haveria em uma cidade de tamanho médio. Baton Rouge era uma população que contava quase com duzentos e cinqüenta mil habitantes, mas também se encontrava muito perto da esfera de influência do Nick. Mais segura seria Nova Orleans, provavelmente. Talvez estivesse atuando como uma paranóica com o do poder do Nick, mas preferia ser paranóica antes que ver-se pega despreparada. Um homem que tentava impedir a uma mulher de comprar comida era diabólico! Curvou a boca em um leve sorriso ante aquela idéia. Já um pouco mais a sério, sentia um respeito pelas moléstias que Nick teria que tomar-se para cumprir suas promessas e suas advertências.
Procuraria um bom detetive e o contrataria para que investigasse dados de bancos e cartões de crédito, coisas assim. Se Bob estava vivo, certamente teria usado seus amplos ativos financeiros para manter-se; não imaginava esfregando pratos em troca de um salário ridículo. Possivelmente fora possível averiguar se tinha feito a declaração da renda. Seguro que qualquer detetive como Deus manda seria capaz de fazê-lo em pouco tempo, talvez uma semana, de modo que o custo devia ser aceitável.
E se o detetive não encontrava uma pista documentário? Se Bob tivesse utilizado um cartão de crédito, Nick o teria sabido, teria visto a acusação no extrato mensal de movimentos. Teria sabido Nick durante todos aqueles anos onde estava seu pai e não haveria dito nada? Aquela possibilidade era interessante... E revoltante. Se Nick tinha encontrado de verdade ao Bob, não se teria posto em contato com ele? E se o tinha feito, saberia que Bob não fugiu com a Renée. Assim, disso se deduzia que, pelo motivo que fora, Nick nunca tinha tentado procurar a seu pai, pois do contrário saberia que não havia razão alguma para aquela vingança contra ela.
Não podia esquecer o que considerava que era a situação mais provável: que Bob estava morto.
Imaginava partindo, embora o divórcio tivesse sido um passo mais lógico, mas não imaginava deixando passar o tempo sem ficar jamais em contato com seus filhos e fazendo caso omisso do dinheiro dos Carter. Aquilo, simplesmente, não era próprio da natureza humana.
Teria que recorrer a um detetive particular para procurar o Bob, mas não acreditava que fora a ter êxito.
Depois daquilo, começaria a fazer perguntas pela cidade; não sabia o que poderia descobrir, mas a resposta ao quebra-cabeça se encontrava ali, se ela conseguisse seguisse imaginar como encaixar as peças. Alguém tinha que saber o que tinha acontecido naquela noite. A verdade estava ali mesmo, aguardando a que alguém a descobrisse.
Tirou uma folha de papel, deteve-se uns instantes e escreveu involuntariamente o nome de sua mãe na cabeceira. Era muita coincidência que Renée se foi na mesma noite em que tinha desaparecido Bob e não soubesse nada do tema. Possivelmente sim que fugiram juntos, e depois algo ocorreu ao Bob, algo que Renée não quis saber. Embora a única circunstância
Junto a Renée, porque também tinha um motivo, escreveu «NICK» com letras maiúsculas. Logo contemplou ambos os nomes. Um deles, possivelmente os dois, sabia o que lhe tinha passado ao Bob.
Apostaria o que fosse. Sentiu uma náusea que lhe roía o estômago. Entre vários suspeitos de assassinato, qual escolhia como mais provável: sua mãe ou o homem ao que tinha amado sempre?
Impressionada, contemplou o papel amargamente. O conhecer-se as pessoas mesmo estranha vez resultava agradável. Devia ser a maior idiota do mundo, porque apesar da destruição que Nick tinha provocado em sua pessoa, apesar de que tinha tentado lhe fazer a vida impossível, apesar da possibilidade de que tivesse tido algo que ver na morte de seu pai, não podia fugir dele, destrui-lo, nem sequer ignorar aquela profunda, irresistível atração que sentia por ele, igual às aparas de metal se sentem atraídas para um ímã. O só fato de vê-lo a deixava sem forças por dentro, e quando ele a tocava sentia a eletricidade daquele contato em todas as células de seu corpo. Nunca a havia tocado exceto estando furioso; como seria se fosse a ela como amante, com a intenção de provocar lhe agradar? Não era capaz de imaginar-lhe. Ferveria-lhe o sangue, lhe pararia o coração.
O que ia fazer se descobrisse que Nick em efeito tinha matado a seu pai ou tinha ordenado que o matassem? Aquela idéia lhe provocou uma súbita dor no peito, e com muita dificuldade conseguiu conter um gemido. Teria que fazer o mesmo que faria se tratasse de qualquer outra pessoa. Do contrário não se suportaria a si mesmo, e viveria o resto de sua vida afligida.
Havia outros suspeitos, embora fossem menos prováveis. Escreveu seus nomes debaixo dos dois primeiros. Jane. Amos. Possivelmente Leslie. De forma lateral, a lista se ampliava aos outros homens com quem sua mãe tinha dormido também, assim como às outras mulheres do Bob. Para ser duas pessoas que estavam tão enrabichadas uma da outra, tinham sido notavelmente infiéis. Ed Morgan também tinha que figurar naquela lista, e Bella escreveu seu nome com grande prazer. Devaneou-se os miolos tratando de pensar em mais nomes, mas doze anos era muito tempo e a maioria dos homens resultaram claramente olvidáveis. Acaso as fofocas da cidade pudessem lhe subministrar algum, além de várias das conquistas do Bob. A julgar por sua reputação, tinha deixado um bom rastro por todo o sudeste da Flórida. Era provável que pudesse enumerar muitas damas da sociedade de Nashville, o qual converteria aos maridos destas em candidatos legítimos para aparecer na lista. Deixou a caneta com um gesto irônico. Tal como ia aquela lista, bem podia agarrar uma guia de telefones e começar pela letra A.
—Não parece você um detetive particular.
Francis P. Pleasant parecia um homem de negócios próspero e de aspecto um tanto conservador.
Em seu escritório não se divisava nem um só cinzeiro. Mas bem o contrário, via-se limpo e pulcro, e o traje cinza claro de seu dono fazia jogo com ele. Tinha uns olhos escuros e tristes, mas a expressão que brilhava neles se iluminou e se fez mais cálida ao lhe sorrir a Bella.
—Me imaginava com uma garrafa de Bourbon na mesa e um charuto com dois centímetros de cinza pendurando da boca?
—Algo assim. —Bella lhe devolveu o sorriso. —Ou com uma camisa havaiana.
Ele riu em voz alta para ouvir aquilo.
—Não é meu estilo. A roupa quem escolhe sempre é minha mulher... —interrompeu-se, e a tristeza voltou para seus olhos ao olhar uma fotografia que descansava sobre o escritório.
Bella seguiu aquele olhar. O marco estava de lado respeito a ela, mas mesmo assim conseguiu distinguir que era a foto de uma mulher de meia idade e com uma expressão tão alegre que convidava a sorrir. Devia ter morrido para que houvesse aquela tristeza nos olhos do detetive.
—É sua mulher? —perguntou-lhe com suavidade.
Ele conseguiu sorrir de novo, mas esta vez de maneira forçada.
—Sim, sim é. Perdi-a faz uns meses.
—Sinto muito. —Acabava de conhecê-lo, mas seu sentimento era sincero.
—Foi uma enfermidade repentina — explicou o detetive com voz um tanto tenebrosa. —Eu estou mal do coração; nós dois pensávamos que eu ia ser o primeiro em partir, e estávamos preparados para isso. Estávamos economizando todo o possível para quando eu já não pudesse trabalhar. —Então adoeceu acreditávamos que era gripe, mas quarenta e oito horas depois morreu de uma pneumonia viral. Para quando compreendeu que estava doente de verdade, que não era um simples resfriado, já era muito tarde.
Encheram-lhe os olhos de lágrimas, e Bella estendeu um braço sobre a mesa para apoiar uma mão na sua. Ele voltou à mão e lhe apertou os dedos, e depois piscou desconcertado.
—Perdoe — se desculpou, ruborizando-se. Tirou seu lenço e se secou os olhos. —Não sei o que me passou. Você é uma cliente, acabamos de nos conhecer, e aqui me tem, chorando sobre seu ombro.
—Eu também perdi a seres queridos — disse Bella, pensando no Scottie e no Kyle. —Às vezes ajuda falar disso.
—Sim, mas isto foi totalmente inapropriado da minha parte. Minha única desculpa é que tem você uma calidez especial, querida. —Advertiu que tinha acrescentado um apelido carinhoso, e voltou a ruborizar-se. —Bom! Talvez seja melhor que lhe pergunte o que a trouxe aqui.
—Faz doze anos desapareceu um homem — disse Bella. —Eu gostaria que averiguasse se segue vivo.
O detetive tomou uma caneta e rapidamente rabiscou algo em um caderno.
—Era seu pai? Um antigo namorado?
—Nada disso. Era o amante de minha mãe.
O senhor Pleasant levantou a vista para ela, mas não parecia surpreso. Era provável que em sua profissão tivesse recebido encargos muito mais estranhos que aquele. Pensando que ele teria maiores possibilidades de encontrar algo se conhecia todos os detalhes e circunstâncias, em vez de só os fatos nus do nome, a idade e a descrição do Bob, referiu-lhe tudo o que tinha acontecido doze anos antes e por que queria averiguar se Bob estava vivo.
—Tenho que lhe dizer —acrescentou— que eu acredito que está morto. Possivelmente me esteja deixando levar por minha imaginação, mas acredito que alguém o matou.
O senhor Pleasant depositou a caneta com cuidado em cima do caderno, entre as raias azuis.
—Suponho que é você consciente senhora Hardy, de que tendo em conta o que me contou, é muito provável que sua mãe esteja implicada. O fato de que se foram a mesma noite...
Bom, já compreende você o que parece.
—Sim, entendo-o. Mas não acabo de me acreditar que o matasse ela mesma. Minha mãe —disse Bella com um débil sorriso— jamais mataria a galinha dos ovos de ouro.
—Mas acredita que ela sabe o que aconteceu.
Bella afirmou com a cabeça.
—Tentei convencê-la de que fale disso, mas não quer.
—Suponho que não existem provas que possam apresentar-se ao xerife.
—Nenhuma. Não quero que averigüe se Bob fosse assassinado, senhor Pleasant, só quero que averigüe, se puder, se está vivo ou não. Existe uma remota possibilidade de que simplesmente lhe desse as costas a tudo.
—Muito remota — disse ele secamente. —Embora tenha de admitir que ocorreram coisas mais estranhas. Mas se existir algum rastro documentário, encontrarei-o. Se tivesse estado fugindo da lei, teria mudado de nome, mas não havia motivo para que ocultasse sua identidade. Deveria ser bastante fácil averiguar se alguma vez saiu à luz.
—Obrigada, senhor Pleasant. —Tirou um cartão de visita e a entregou. —Aqui tem meu número. Ligue-me quando souber algo.
Saiu do escritório contente de haver escolhido a ele. Tinha-o contatado primeiro por telefone, tinham falado dos honorários e marcado uma entrevista. Logo comprovou suas referências e ficou satisfeita com as respostas. O senhor Pleasant tinha sido muito recomendado por seus contatos profissionais, quem o havia descrito como uma pessoa de uma vez honrada e competente, dessas nas que alguém confia de maneira instintiva. Se Bob estava vivo, o senhor Pleasant daria com ele.
Consultou seu relógio. Tinha saído de Nashville aquela manhã cedo e tinha ido até Nova Orleans para sua entrevista com o senhor Pleasant, a qual não lhe tinha levado tanto tempo como tinha esperado. Margot estava na cidade, e Bella tinha ficado comendo com ela no terraço das Duas Irmãs. Dispunha de tempo de sobra para chegar ali, de modo que retornou a seu hotel para deixar o carro e ato seguido se foi a pé para ir vendo as vitrines pelo caminho.
Fazia um mormaço enquanto caminhava pelas estreitas ruas do Bairro, e cruzou ao seguir pela calçada na sombra. Visitava Nova Orleans com freqüência, devido à filial da agência que tinha ali, mas nunca se tomou realmente o tempo necessário para explorar aquele velho distrito. Pelas ruas transitavam devagar carruagens atiradas por cavalos, cujo condutor e guia ia assinalando os pontos de interesse aos turistas que transportava. Entretanto, a maioria das pessoas dependiam de seus próprios pés para percorrer o bairro. Mais tarde, a principal atração seriam os bares e clubes; a àquela hora do dia o objetivo consistia em ir às compras, e a miríade de boutiques, lojas de antigüidades e comércios de especialidades oferecia um amplo leque de opções a quem queria gastar o dinheiro.
Entrou em uma loja de lingerie e adquiriu uma camisola de seda de cor pêssego que se parecia com um desses que usavam as estrelas de cinema de Hollywood nos anos quarenta e cinqüenta. Depois de não vestir quase mais que roupas usadas durante os primeiros quatorze anos de sua vida, agora sentia uma pecaminosa tendência a ser indulgente consigo mesma no referente à roupa. Em nenhum momento poderia deixar-se levar a comprar imprudentemente agora que dispunha de um pouco de dinheiro, mas de vez em quando se permitia algum ou outro luxo: uma roupa íntima de renda, uma camisola suntuosa, uns sapatos realmente dos bons. Aqueles pequenos caprichos lhe proporcionavam o convencimento de que os maus tempos tinham passado de verdade.
Quando chegou ao restaurante, Margot a estava esperando dentro. A alta loira ficou em pé de um salto e lhe deu um efusivo abraço, embora só fizesse pouco mais de uma semana que Bella se foi de Dallas.
—Quanto me alegro de ver-te! Bom, instalaste-te bem em sua pequena cidade? Acredito que eu jamais seria capaz de me estabelecer em um lugar outra vez! Minha primeira viagem de trabalho é a Nova Orleans. Não é um lugar estupendo? Espero que não te importe estar aqui, no terraço, em vez de ir dentro. Já sei o que faz calor, mas, quando tem una a oportunidade de comer em um terraço ao ar livre de Nova Orleans?
Bella sorriu ante aquela corrente de palavras. Sim, Margot estava decididamente emocionada com seu trabalho novo.
—Bom, vejamos. Tenho vinte e seis anos e esta é a primeira vez que devo almoçar ou a qualquer outra coisa em uma terraço ao ar livre, assim que eu diria que isso não acontece muito freqüentemente.
—Querida, eu te levo dez anos mais, assim é ainda mais incomum do que acha, e tenho a intenção de desfrutar de cada minuto. —Sentaram-se a uma das mesas que havia no terraço. De fato não fazia muito calor; havia sombrinhas e árvores que davam sombra. Margot se fixou na bolsa que levava Bella na mão. —Vejo que foste às lojas. O que compraste?
—Uma camisola. Mostraria-lhe, mas não quero tirá-lo aqui, no meio do restaurante.
Os olhos da Margot faiscaram.
—De maneira que é uma camisola dessas, né?
—Digamos que não é próprio de mamães — repôs Bella delicadamente, e ambas romperam a rir. Um garçom sorridente lhes serviu água, e o alegre tinido dos cubos de gelo lhe recordou de repente a sede que tinha e o calor que lhe tinha entrado com a caminhada do hotel. Enquanto bebia a água percorreu com a vista as outras pessoas que tinha sentadas no terraço, e de repente seus olhos tropeçaram com o de Nick Carter.
Imediatamente o coração lhe deu aquele tombo familiar e delator. Nick estava sentado, em companhia de outro homem que estava de costas a ela, duas mesas mais à frente. Seus olhos escuros flamejaram quando levantou sua taça de vinho em direção a Bella a modo de silencioso brinde. Ela levantou seu copo de água para lhe devolver a saudação e inclinou a cabeça parodiando um gesto de elegância.
—Conhece alguém? —perguntou Margot, girando-se em seu assento. Nick lhe enviou um sorriso.
Margot sorriu a sua vez, um esforço, mas bem débil, e logo se voltou para Bella com uma expressão alucinada no rosto. —Minha mãe — disse deslumbrada.
Bella entendeu perfeitamente. O extravagante de Nova Orleans ia bem ao Nick. Vestia um traje de corte italiano com uma camisa azul pálido que ressaltava o tom de sua pele.
Levava o cabelo loiro bem penteado. No lóbulo da orelha esquerda lhe brilhava o minúsculo brinco de diamante. Com a largura de seus ombros de jogador de rugby e a elegância felina com que se sentava à pequena mesa, atraía os olhares de todas as mulheres que havia ali. Não era bonito ao menino fino; seus ancestrais franceses lhe tinham legado um nariz ornamento magro e de ponte alta, ligeiramente larga, e uma barba densa que lhe formava um sombreado próprio das cinco da tarde já da hora de comer. Sua mandíbula era sólida como uma rocha. Não, não tinha nada de bonito. Era mas bem chamativo, e perigosamente excitante, com aqueles olhos claros e audazes e aquela curva sensual na boca. Parecia um homem aventureiro e seguro de si mesmo, dentro e fora da cama.
—Quem é? —sussurrou Margot. —O conhece, ou é que está paquerando com um desconhecido?
—Não estou paquerando — respondeu Bella, surpreendida, e desviou o olhar de propósito para o outro lado do terraço.
Margot riu.
—Querida, esse pequeno brinde que lhe tem feito dizia: «Vêem e tome grandalhão, se for o bastante homem». Você acha que um pirata como esse vai deixar passar semelhante desafio?
Os olhos do Bella se aumentaram.
—Eu não tenho feito nada disso! Ele levantou a taça de vinho para mim, assim que eu tenho feito o mesmo com meu copo de água. Por que ia estar pensando ele em nada parecido?
—Te olhaste no espelho ultimamente? —perguntou Margot, ao mesmo tempo que se voltava para deslizar outro olhar fugaz ao Nick, e um sorriso se estendeu por sua cara.
Bella fez um gesto para lhe tirar importância ao assunto.
—Isso não tem nada que ver com isso. Ele não faria...
—Está fazendo — disse Margot com satisfação, e Bella não pôde controlar um leve sobressalto quando olhou a seu redor e viu que Nick estava quase em cima delas.
—Senhoras — disse, tomando a mão de Bella e inclinando-se sobre ela com um gesto a quão antiga nele parecia completamente natural. O olhar atônito de Bella se cravou no seu, e na profundidade daqueles olhos viu travessura, além de algo perigoso e ardente, antes que ele se levasse aos lábios os dedos dela. Seus lábios eram suaves e quentes, muito quentes. O coração lhe golpeava dolorosamente contra as costelas, e tentou retirar a mão, mas Nick a apertou e ela notou como a ponta de sua língua tocava com delicadeza o sensível oco que separava os dois últimos dedos. Desconcertada, sofreu outro sobressalto, e advertiu nos olhos de Nick que este se deu conta daquele pequeno movimento que a delatou.
Nick se ergueu e soltou por fim sua mão, e depois se voltou para a Margot para inclinar-se sobre a mão que lhe tinha estendido com expressão deslumbrada, mas Bella se fixou em que não lhe beijou os dedos. Não importou. Margot não poderia estar mais alucinada se lhe tivesse dado diamantes. Perguntou-se se ela não teria na cara aquela mesma expressão débil e entregue, e se apressou a baixar a vista para ocultá-la, embora seja obvio era muito tarde. Nick tinha muita experiência para deixar passar qualquer detalhe. Sentiu um formigamento nos dedos e na pele que lhe havia tocado com a língua. Notava aquele diminuto ponto de umidade quente e frio ao mesmo tempo, e fechou a mão com força para dissipar a sensação. Ardia-lhe o rosto. A ação do Nick tinha sido uma sutil parodia sexual, uma penetração de que seu corpo reconheceu e a que reagiu com uma quebra de onda de calor que lhe invadiu a parte baixa do corpo e uma crescente umidade.
Sentiu que os mamilos se endureciam e pugnavam contra o encaixe do prendedor. Maldito fora!
—Nick Carter — murmurou ele em direção a Margot. —Bella e eu somos velhos conhecidos.
Pelo menos não mentiu dizendo que eram amigos, pensou Bella com o olhar fixo enquanto Margot se apresentava a sua vez, e, para seu horror, pedia ao Nick que se unisse a elas. Muito tarde, deu a Margot uma rápida patada de advertência.
—Obrigado — disse Nick sorrindo a Margot com um encanto tal que ela não reagiu absolutamente à patada da Bella. —Mas estou aqui por negócios e tenho que retornar a minha mesa. Só queria me aproximar e falar um momento com a Bella. Faz muito que se conhecem?
—Quatro anos — respondeu Margot, e acrescentou com orgulho: — Sou sua diretora de distrito.
Bella o lhe deu outra patada no tornozelo, desta vez mais forte, e quando Margot a olhou com surpresa lhe dirigiu um furioso olhar de advertência.
—Não me diga — disse Nick, ao parecer interessado. Seu olhar se agudizou. —Em que setor está?
Depois de ter captado por fim a mensagem, Margot lançou ao Bella um rápido olhar interrogante.
—Nada de seu nível — disse Bella com um sorriso tão frio que ele se encolheu de ombros e compreendeu que não ia obter mais informação.
Bella exalou um suspiro de alívio, mas ficou em tensão outra vez quando Nick se agachou em cócoras junto à mesa, um ato garboso e masculino que situou seu rosto mais à altura do dela.
Agora lhe era mais difícil ocultar sua expressão que quando ele estava de pé. Ao tê-lo tão perto, via as insondáveis pupilas azuis de seus olhos e como relampejavam ao olhá-la.
—Talvez se tivesse sabido que virias à Nova Orleans, querida. Poderíamos ter feito a viagem juntos.
Se Nick pensava que ia se desmoronar diante da Margot, estava tristemente equivocado. Pensava-se que seu encanto lhe tinha convertido o cérebro em mingau, também estava equivocado.
Quanto lhe teria gostado de lhe passar pelo nariz o fato de que ela era uma mulher de negócios de êxito, mas aquela semana a tinha feito ser cautelosa com a informação que dava de si mesmo.
A respeitabilidade não significaria nada para ele nem para a cidade de Nashville; até que pudesse provar que sua mãe não fugiu com o pai dele, nada mudaria sua atitude. Elevou o queixo, um sinal seguro de mau gênio, e disse:
—Antes teria vindo todo o caminho andando a compartilhar um carro contigo.
Margot fez um ruído de engasgo, mas Bella não perdeu tempo em olhá-la, mas sim manteve seu olhar cravado no do Nick, ambos encetadas em uma batalha visual. Ele sorriu como alguém que desfruta temerariamente de uma briga.
—Mas poderíamos nos haver divertido muito e ter compartilhado... Os gastos.
—Sinto muito que tenha problemas de dinheiro — replicou ela, encantada. —Ao melhor seu acompanhante pode emprestar algo se você não tiver para pagar a habitação do hotel.
—Não tenho que me preocupar com os gastos de alojamento. —Seu sorriso se alargou. —O hotel é meu.
Maldito, pensou Bella. Teria que averiguar qual lhe pertencia e certificar-se de não levar ali a nenhum grupo de turistas.
—Por que não jantamos juntos esta noite? —sugeriu Nick. — Temos muito de que falar.
—Não me ocorre do que. —Obrigada, mas não. Tinha previsto retornar a Nashville aquela tarde, mas preferia que ele acreditasse que rechaçava o convite simplesmente porque não desejava sua companhia.
—Ia ser para o teu bem — lhe disse ele, e a seus olhos retornou aquele olhar perigoso.
—Duvido que seja para o meu bem nada que sugira um Carter.
—Ainda não sabe quais são minhas... Sugestões.
—Nem tenho intenção de saber. —Volta para sua mesa e me deixe em paz.
—Tinha pensado fazer o primeiro. —Incorporou-se e passou um longo dedo pelo rosto de Bella. —Mas por nada do mundo vou fazer o segundo. —Inclinou a cabeça em direção a Margot e retornou devagar a sua mesa.
Margot piscou com olhos solenes.
—Quer que o examine para ver se tem alguma ferida? Certamente, atacaste-o. Que demônios têm este pedaço de tio de olhos azuis para te pôr tão furiosa?
Bella procurou outra vez refugio em seu copo de água e bebeu lentamente até que conseguiu controlar a expressão de sua cara. Depois de depositá-lo na mesa, disse:
—É uma história muito antiga. Ele é um Capuleto e eu sou uma Montesco.
—Uma disputa entre famílias? Vamos.
—Está tentando me tirar de Nashville — disse Bella lentamente. —Se, se inteirasse da agência de viagens, é possível que pudesse nos causar problemas desbaratando algumas das viagens que organizamos. Isso prejudicaria nossa reputação, e perderíamos dinheiro. Já o ouviste: É dono de um hotel daqui. Não só é imensamente rico, com o qual tem dinheiro para subornar as pessoas para que faça o que ele quer, mas também, além disso, possui contatos no negócio. Eu não o consideraria um inimigo pequeno em nada.
—Vá. Isto parece sério. O que começou esta disputa? Alguma vez chegou a haver sangue pelo meio?
—Não sei. —Bella brincou com o faqueiro, pois não queria mencionar sua suspeita de que Bob tinha sido assassinado. —Minha mãe era a amante de seu pai. Não faz falta dizer que sua família odeia a qualquer um que leve o sobrenome Smith. —Aquilo serviria como explicação; não podia ficar a contar a história completa, não podia tirar a luz suas lembranças daquela noite nem sequer para um público compreensivo.
—Como há dito que se chama essa cidade? —quis saber Margot. —Nashville? Está segura de que não é Tampa?
As duas romperam a rir, e naquele momento se aproximou o garçom para lhes perguntar o que gostariam de comer. Ambas escolheram o bufê livre, e passaram ao interior para escolhê-lo. Bella era plenamente consciente de um olhar claro que seguia todos seus movimentos e desejou que Margot não se empenhasse em comer no terraço. Ela teria preferido está a salvo daquele olhar. Mas, claro, quem teria pensado que Nick ia estar aquele dia
Nick e seu acompanhante de negócios se foram do restaurante não muito depois de que Bella e Margot retornassem à mesa com os pratos cheios. Ao passar se deteve junto a Bella.
—Quero falar contigo de verdade — lhe disse. —Vêem minha suíte esta tarde às seis. Estou no Beauville Courtyard.
Bella dissimulou sua consternação. O Beauville era um hotel médio, encantador, de ambiente muito agradável, construído ao redor de um pátio ao ar livre. Tinha agasalhado nele a grupos e turistas soltos muitas vezes. Se o proprietário era Nick, teria que procurar outro hotel médio e encantador que tivesse um ambiente agradável, porque não se atrevia a usar aquele outra vez.
Respondendo à ordem que lhe tinha dado, porque disso se tratava, sacudiu a cabeça em um gesto negativo.
—Não, não penso em ir.
Os olhos do Nick relampejaram.
—Então, você saberá o que faz — repôs, e se foi.
—Que você saberá o que faz? —ecoou se Margot, indignada, contemplando as longas costas do Nick. Que demônios quis dizer com isso? Não terá sido uma ameaça!
—Provavelmente — disse Bella ao mesmo tempo em que se levava um bocado de massa à boca. Fechou os olhos com deleite. —Mmnn, prova isso. Está delicioso.
—Tornaste louca? Como pode comer quando esse machista acaba de te ameaçar com... Fazendo algo, suponho? —Frustrada, Margot cravou com o garfo e provou a salada de massa. —Certo, está muito bom. Tem razão, preocupar-se com esse cara pode esperar até que terminemos de comer.
Bella riu com suavidade.
—Já estou acostumada as suas ameaças.
—Alguma vez as leva a cabo?
—Sempre. Uma coisa que tem Nick é que sempre fala a sério, e não lhe dá nenhum medo falar em tom autoritário.
Margot deixou cair o garfo na mesa.
—Então o que vais fazer?
—Nada. Ao fim e ao cabo, na realidade não me ameaçou com nada concreto.
—Isso quer dizer que vais ter que estar todo o tempo em guarda.
—Já o estou sempre, no que diz respeito a ele.
Sentiu uma pontada de dor ao pronunciar aquelas palavras, e baixou a vista ao prato para ocultá-lo. Que maravilhoso seria sentir-se segura e relaxada com o Nick, saber que podia confiar em que toda aquela implacável determinação, aquela intensidade vital, ia ser utilizada em defesa dela em vez de
Deliberadamente, desviou a conversação para temas menos comprometidos, por exemplo, os poucos problemas que tinham surgido do fato de que ela se encontrasse em Nashville em vez de Dallas. Sentiu alívio de que ditos problemas fossem poucos e relativamente sem importância. Já tinha contado tendo alguma que outra dificuldade, mas Margot era uma boa gerente e se levava bem com os agentes de viagens das demais filiais. A única diferença real era que agora Margot era a que viajava, em lugar de Bella, embora houvesse ocasiões nas que se requeria a presença desta última. Em geral, tudo tinha saído bem. Decidiram que, já que Bella estava tão perto do Baton Rouge e de Nova Orleans, seguiria fiscalizando aquelas duas filiais, porque seria absurdo que Margot tivesse que fazer uma viagem longa de carro ou de avião para deslocar-se até ali. Margot se sentia um tanto desiludida porque adorava Nova Orleans, mas também era extremamente prática, e a mudança foi sugestão dela. Haveria ocasiões nas que a Bella não resultaria cômodo ir a nenhuma das duas cidades, assim que se contentaria com alguma visita esporádica.
Terminado o almoço, separaram-se uma da outra no mesmo restaurante, pois o hotel da Margot estava na direção contrária de onde Bella tinha deixado o carro. Fazia inclusive mais calor que antes, com um abafado que voltava denso o ar, difícil de respirar. O aroma do rio era mais penetrante, e umas nuvens negras pendiam sobre o horizonte, promessa de uma tormenta primaveril que aliviaria o calor durante um momento e depois converteria as ruas em uma sauna de vapor. Bella apertou o passo, pois queria estar de caminho para casa antes de que estourasse a tormenta.
Ao chegar à altura de uma entrada que conduzia a uma loja deserta e às escuras, sentiu uma mão forte que a agarrava pelo braço por detrás e a arrastava à loja. Um ataque! Pensou, e imediatamente a invadiu a fúria, veemente e irrefletida. Havia-lhe feito muito conseguir o que tinha para renunciar a isso sem protestar, tal como aconselhava a polícia. De modo que em vez disso lançou o cotovelo para trás e sentiu que se afundava em um ventre duro e provocava um satisfatório grunhido em seu assaltante. Deu-se a volta, jogou para trás o punho e demorou um instante em abrir a boca para gritar pedindo socorro. Teve uma impressão imprecisa da estatura e os ombros largos do assaltante, e ato seguido se viu empurrada contra ele e seu grito ficou amortecido contra um traje italiano de cor nata.
—Por Deus santo — disse Nick com um tom de diversão em sua voz grave. —Que gatinha selvagem, se for igual de selvagem na cama, tem que ser tremendo.
O desconcerto ante aquele comentário se mesclou com o alívio ao compreender de quem se tratava, mas nenhuma das duas coisas diluiu sua fúria. Com a respiração agitada, lhe deu um empurrão no peito para escapar dele.
—Maldito seja! Acreditei que me estavam atacando!
Ele enrugou a testa.
—E começa por te pôr a dar golpes com esse punho bicudo? —Perguntou ele com incredulidade, esfregando o estômago. —E se eu fosse efetivamente um assaltante e tivesse uma navalha ou uma pistola? Não sabe que deve entregar a bolsa antes de correr o risco de que lhe façam mal?
—É uma droga — resmungou Bella, retirando o cabelo da cara.
O semblante de Nick se distendeu, e rompeu a rir.
—Não, parece-me que não faria algo assim. —Elevou uma mão e lhe apartou uma mecha rebelde por detrás da orelha. —O teu é atacar primeiro e pensar depois, não é verdade?
Bella desviou a cara de sua mão.
—Por que me agarraste assim?
—Segui-te desde que saiu do restaurante, e me ocorreu que este era tão bom lugar como qualquer outro para nosso pequeno bate-papo. Na realidade, deveria prestar mais atenção a quem tem atrás.
—Te economize o sermão, se não te importar. —Olhou o céu. —Quero chegar a meu carro antes de que estoure a tormenta.
—Si não quer falar aqui, podemos ir a meu hotel, ou ao teu.
—Não. Não penso ir contigo a nenhuma parte. —Sobretudo a uma habitação de hotel. Ele seguia fazendo aquelas insinuações com conotações sexuais que a alarmavam. Não confiava em seus motivos, e tampouco confiava em si mesmo na hora de resistir. Tendo tudo em conta, o melhor era permanecer o mais longe possível dele.
—Então, será aqui.
Nick a olhou, tão próximo a ela naquele estreito espaço do portal que os seios de Bella quase lhe roçavam o traje. Quando a atraiu para si para amortecer seus gritos, notou-os, firmes, redondos e atraentes. Desejou vê-los, tocá-los, saboreá-los. Tinha tal consciência física dela que era como se estivesse no meio de um campo elétrico, com o ar crepitando e vaiando ao redor dos dois, fazendo saltar faíscas. Lutar com ela resultava mais emocionante que fazer amor com outras mulheres. Possivelmente desde menina fora tímida como um cervo, mas tinha crescido e se converteu em uma mulher que não tinha medo da cólera, nem da sua nem da de ninguém.
—Vou comprar-te a casa — disse bruscamente, recordando-se a si mesmo por que queria falar com ela. —Te darei o dobro do que te há pago.
Os olhos verdes de Bella se entrecerraram, o qual os fez parecer mais felinos.
—Não é uma boa decisão de negócios — lhe disse em tom rápido, mas com fúria latente e próxima a aflorar à superfície.
Ele se encolheu de ombros.
—Me posso permitir isso. Pode te permitir rechaçar a oferta?
—Sim — respondeu Bella, e sorriu.
A satisfação que mostrava aquele sorriso esteve a ponto de fazê-lo rir de novo. Então tinha conseguido chegar a ser algo na vida, né? Mais do que parecia com o princípio; se contava com uma diretora de distrito, era evidente que tinha mais empregados, em vários lugares. Involuntariamente, sentiu o peito inchar-se de orgulho pelo que ela tinha conseguido. Ele sabia muito bem o pouco que possuía quando jogou da cidade aos Smith, porque tinha presenciado como recolhia freneticamente suas coisas de entre a sujeira. A maioria das pessoas contavam com um sistema de respaldo formado pela família e os amigos, e por algumas economias; Bella não tinha nada, o qual dava mais mérito a seus lucros. Se tivesse contado com os ativos que possuía ele, pensou Nick, agora seria a proprietária do estado inteiro. Não seria fácil livrar-se de uma mulher com aquela coragem.
Sentiu a luxúria lhe retorcer e lhe contrair as vísceras. Jamais se havia sentido atraído por mulheres frágeis e necessitadas que necessitavam de amparo; já tinha bastante com as de sua família. Mas em Bella não havia nada de frágil.
Estudou seu rosto, e viu nele tão parecido com Renée como as diferenças. Bella tinha a boca maior, mais móvel, os lábios vermelhos e viçosos, aveludados como pétalas de rosa. Sua cútis era perfeita, com uma textura de porcelana que deixava ver o rastro de uma carícia, de um beijo. Passou-lhe pela cabeça deixar nela a marca de sua boca, de lhe beijar todo o corpo até chegar às suaves dobras de entre suas pernas, que protegiam lugares ainda mais tenros. Aquela imagem lhe provocou uma ereção plena e dolorosa. Ali de pé, tão perto dela, percebeu o aroma doce e delicioso de sua pele, e se perguntou se aquela doçura seria mais intensa entre suas pernas. Sempre lhe tinha encantado como cheiravam as mulheres, mas o aroma de Bella era tão incitante que todos os músculos de seu corpo se contraíram de desejo e lhe faziam difícil pensar em outra coisa.
Sabia que não devia fazê-lo, inclusive quando foi tocá-la. Quão último queria era seguir o exemplo de seu pai; ainda não conseguia pensar na fuga de seu pai sem sentir a dor e a raiva, a traição, tão recente como se acabasse de acontecer. Não queria fazer mal a Jane nem a Leslie, não queria reviver aquele velho escândalo.
Havia umas centenas de razões, todas boas, pelas que não devia desejar ter em seus braços Bella Smith, mas naquele instante não lhe importava o mínimo nenhuma delas. Suas mãos se fecharam ao redor da cintura de Bella, e a sensação de seu corpo, suave e quente, tão vibrante que sentia um formigamento nas palmas ali onde a tocava, lhe subiu à cabeça igual a um potente vinho. Viu que os olhos dela se aumentavam e que lhe dilatavam as pupilas até deixar ver tão somente um magro aro de verde. Bella elevou as mãos e as apoiou em seu peito, lhe cobrindo os bicos dos seios e um estremecimento lhe percorreu toda a pele. Inexoravelmente, seu olhar se cravou na boca dela, e começou a aproximar-se até que o esbelto corpo de Bella esteve apoiado contra o seu. Notou como enroscava as pernas às suas, como seus seios firmes lhe pegavam ao estômago, como aqueles lábios cheios e suaves se abriam ao mesmo tempo que, perplexa, inalava uma baforada de ar. Então a elevou nas pontas dos pés e inclinou a cabeça para saciar aquela fome.
Seus lábios também tinham o tato de pétalas de rosa, suaves e aveludados. Girou a cabeça e incrementou a pressão de sua boca, obrigando-os a abrir-se igual a uma flor a uma ordem dela. O sangue rugia em suas veias. Atraiu-a para si com mais força, rodeou-a com seus braços e a sustentou colada a seu corpo, deixando que notasse a forte protuberância de sua ereção contra a brandura de seu ventre. Percebeu seu tremor, o movimento convulsivo de seus quadris, que se arqueavam para ele, e se sentiu alagado de uma sensação de masculino triunfo. Os braços de Bella se deslizaram até seus ombros para entrelaçar-se ao redor de seu pescoço, e seus dentes se abriram para lhe permitir um acesso mais profundo. Um grave grunhido saiu de sua garganta ao mesmo tempo que se mergulhava na boca de Bella com sua língua. Notou um sabor doce e picante, temperado com o forte gosto do café que tinha tomado com a sobremesa. A língua dela se enroscou ao redor da sua em ardente boas-vindas, e sugou com delicadeza para retê-lo dentro de sua boca.
Nick a empurrou para trás, contra a porta fechada e escorada com tábuas. Ouvia as vozes apagadas das pessoas que passavam pela calçada detrás deles e o sinistro rugir da tormenta, mas não significavam nada. Bella era fogo vivo em seus braços, não lutava contra o beijo, mas sim respondia com ardor a seu contato. Seus lábios tremiam, agarravam-no, acariciavam-no. Nick queria mais, queria tudo. Lentamente tomou suas nádegas nas mãos e a levantou para atrair seus quadris para dentro de modo que sua ereção ficasse apoiada na suave fenda de entre suas pernas. Esfregou-a para frente e para trás contra ele, gemendo em voz alta pelo prazer daquela pressão deliciosa.
A chuva começou a repicar contra a rua, sinal da chegada da tormenta, e se produziu uma explosão de movimento entre as pessoas que corriam para ficar a coberto. O retumbar de um trovão o fez levantar a cabeça e olhar ao redor, um pouco irritado por aquela intrusão na bruma sensual que nublava sua mente.
Já fora o trovão ou sua própria reação o mesmo que rompeu o feitiço em Bella, esta ficou rígida de repente em seus braços e começou a empurrar para soltar-se. Nick captou uma imagem fugaz de seu rosto enfurecido e a deixou em seguida no chão, soltou-a e deu um passo atrás antes que ela ficasse a gritar como uma desconjurada.
Bella escapou e saiu à calçada, onde a chuva a ensopou imediatamente, e se voltou para olhá-lo. Tinha os olhos amarelados e turvos.
—Não volte a me tocar — lhe disse em tom áspero e grave.
E ato seguido deu meia volta e pôs-se a andar o mais rápido que pôde, com a cabeça baixa contra a chuva que varria as ruas igual a uma cortina cinza. Nick saiu atrás dela com a intenção de arrastá-la até um lugar coberto, mas obrigou a si mesmo a parar e retornar ao portal. Se a seguisse naquele momento, Bella lutaria contra ele como um gato selvagem. Observou-a até que dobrou a esquina duas quadras mais abaixo e desapareceu da vista. Para então já quase ia correndo... Escapando... Dele.
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