Quando chegou ao carro, Bella jorrava tremendo de cima abaixo, tanto por causa do frio como da reação. Tremeram-lhe as mãos quando tratou de introduzir a chave na fechadura, e teve que fazer vários intentos antes de consegui-lo. Meteu-se no carro e se derrubou contra o volante, com a cabeça apoiada com força contra o frio vinil. Idiota! Pensou violentamente.
Tola!
Tinha que estar louca para ter cedido à ânsia de beijá-lo. Agora ele já sabia, já não poderia ocultar-lhe durante mais tempo. Em troca de uns poucos instantes de prazer, tinha permitido que visse sua debilidade, e agora Nick sabia que ela o desejava. Ardia-lhe a cara pela humilhação, sentia como um ácido que lhe corroía as vísceras. Conhecia muito bem ao Nick, pois possuía experiência de primeira mão de seu caráter desumano. Era um predador, e ao primeiro indício de debilidade se lançaria direto sobre sua presa.
Não descansaria até fazê-la sua; a observação lhe sugira ocasional se converteria em verdadeiros intentos de seduzi-la, e o que acabava de ocorrer demonstrava que não podia confiar em seu sentido comum para resistir a ele. No que se referia ao Nick, carecia de todo sentido comum. Sentiu-se horrorizada ante a idéia de que ele pudesse usá-la e jogá-la fora, como se, se tratasse de um lixo sexual. Nick a considerava um clone de sua mãe, uma vadia disposta a abrir as pernas ante qualquer um que estivesse equipado como Deus manda — e a julgar pelo que tinha notado, ele tinha mais que de sobra, — enquanto que ela suspirava por ele com aquele amor infantil que se transformou em um desejo muito adulto. Não desejava outra coisa que ser amada pelo Nick, ser livre de abrir as comportas de seu enlace afetivo; mas ele converteria aquele sonho em um amargo pesadelo, valeria-se de sua debilidade por ele como um meio para feri-la, para reduzi-la a pó, depois de tudo, outra puta Smith para ser usada por um Carter.
Face ao muito que desejava ficar em Nashville, preferia partir antes que viver com aquela humilhação, antes que ver o desprezo em seus olhos ao olhá-la, como já o tinha visto em certa ocasião. Ainda ressonavam as palavras do Nick em sua mente, uma frase que tinha ouvido muitas vezes ao longo dos anos: É lixo. Aquela frase estava gravada em seu subconsciente e com freqüência aflorava à superfície para atormentá-la.
Não. Não poderia voltar a viver aquilo.
Mas por uns instantes tinha estado no sétimo céu. Os braços do Nick a rodearam e ela foi livre para tocá-lo, para lhe acariciar os ombros e afundar os dedos no grosso arbusto de cabelo que levava recolhimento na nuca. Deixou escapar um gemido, ferida por uma doce dor que só ele podia aplacar. Bella nunca tinha sido promíscua; era virgem quando se casou com o Kyle, e este era o único homem com o que tinha feito amor. Entretanto, sua castidade era reflexo do horror de ser como Renée, com aquela desagradável associação de ser a puta da cidade, mais que uma falta de interesse pelo ato
Havia nele uma forte essência terrestre que avivava os rescaldos de seu fogo sexual. Estava duro como uma pedra, e o exibiu com descaramento; queria que ela o sentisse, deliberadamente a atraiu para si e a levantou do chão para fazer pressão com seu membro ereto contra a púbis dela. Estavam em uma via pública, à luz do dia, mas isso não o tinha detido. Embora aquilo fosse Nova Orleans, aonde aquelas coisas talvez não fossem tão insólitas, ela jamais tinha feito nada parecido. Sempre se tinha esforçado por evitar inclusive o que pudesse parecer impróprio. Para ela, a respeitabilidade e a responsabilidade eram coisas muito importantes para permitir-se ser acariciada em público, e entretanto aquilo era exatamente o que tinha feito.
Quando Nick a tocou, esqueceu-se de tudo exceto da ardente dita de estar em seus braços. Perguntou-se com desespero se, dele tivesse continuado, o teria parado ou se teria deixado tomar ali mesmo, na rua, como a mais vil das putas, alheia a toda decência, modéstia ou legalidade sequer. Ardia-lhe a cara ante a idéia de ser detida por escândalo público ou como se dissesse.
Estupidez aguda seria um termo mais apropriado.
Aquilo não teria acontecido com ninguém que não fosse Nick. Com nenhum outro homem se teria perdido de forma tão total.
Permaneceu imóvel no assento do carro, vendo como golpeava a chuva contra as ruas além dos pilares de concreto do estacionamento, e deixou que o abatimento lhe alagasse a mente. Possivelmente sempre tinha percebido qual era a verdade, mas a tinha esquecido para não vê-la.
Já não podia seguir ocultando do pleno alcance da realidade.
Tinha amado ao Kyle, tinha desfrutado de dormir com ele, mas era como se só se implicou uma metade dela mesma. Sempre tinha existido aquela outra metade, afastada a um lado, que pertencia, de maneira irrevogável, ao Nick. Ao Kyle o tinha enganado; talvez ele não soube nunca, e sem dúvida houve problemas em seu matrimônio por culpa de que ele bebia, mas certamente não deveria haver-se casado com ele sem amá-lo de verdade. No mais recôndito de sua mente sempre tinha estado convencida de que algum dia voltaria a casar-se, mas agora sabia que não poderia ser; não podia enganar a outro homem. Tão somente existia um homem ao que poderia amar plenamente, de corpo e alma, sem reservas, e esse era Nick Carter. E precisamente era o homem ao qual não se atrevia a entregar-se, porque a destruiria.
Quando deixou de chover, Nick retornou andando a seu hotel e subiu a suíte, onde fez uma chamada telefônica a Dallas.
—Truman, busca-me uma coisa. Tem aí uma guia da cidade, não? Olhe a ver se nela figura tal Isabella Hardy.
Cruzou as pernas à altura do tornozelo e apoiou os pés na mesinha de centro, aguardando enquanto seu amigo e sócio folheava o grosso volume. Um momento depois retumbou em seu ouvido o acento do Texas.
—Encontrei duas Isabella Hardy, e como dez Hardy mais com a inicial. —Algum deles é I S. Hardy?
—Er... Não. Há um I. C. e um I. G., mas não um I S.
—Que ocupações têm?
—Vamos ver. Uma é professora de escola, outra está aposentada... —Truman percorreu a lista de ocupações. Nenhuma encaixava com os escassos dados que Nick possuía de Bella. Possivelmente Dallas não fora a cidade adequada, depois de tudo, mas era mais provável que Bella se negou a figurar na guia da cidade.
—Está bem, parece-me que por aí chegamos a uma via morta. Procura Margot Stanley; soletra-se M—a—r—g—ou—T.
Truman soltou um bufo.
—Está seguro de que não é M—a—r—g—a—ou—x? Não é assim como o escreve as pessoas de moda ultimamente?
—Procura o das duas formas.
Ouviu-se o ruído de mais páginas ao passar e ao Truman cantarolando baixo. Logo houve uma pausa.
—Aqui há um montão de Stanleys.
—Vê alguma Margot, na versão americana ou na «de moda»?
—Sim, aqui há uma Margot em versão americana.
—Onde trabalha?
—No Holiday Travel.
—Comprova-o e inteira-se de quem é a proprietária.
Mais cantarolo.
—Bingo — disse Truman. —A proprietária é I S. Hardy.
—Obrigado — disse Nick, divertido ao ver quão fácil tinha sido, depois de tudo.
—A sua disposição.
Nick pendurou o telefone e refletiu sobre o que acabava de descobrir. Bella era a proprietária de uma agência de viagens. Bem por ela, pensou inexplicavelmente agradado. Seguindo uma intuição, agarrou da mesa a guia de Nova Orleans e consultou as páginas amarelas. Ali estava o anúncio, discreto e elegante: «Holiday Travel. “Desfrute de suas férias e nos deixe as preocupações».
Assim tinha pelo menos duas filiais, e provavelmente mais, o qual explicava que tivesse podido pagar a casa à vista. Sorriu ao recordar o sorrisinho de satisfação com que rechaçou sua oferta de lhe recomprar a casa. Mas se iriam tão bem as coisas, por que queria mantê-lo tão em segredo? Por que não o publicava por toda Nashville para demonstrar a todo mundo que uma Smith era capaz de sair daquele montão de lixo? Por que tinha interrompido a Margot daquela maneira tão óbvia e lhe tinha impedido que desse mais informação da que ela já tinha deixado que se filtrasse?
Não fazia falta ser um cientista espacial para imaginar-lhe Bella tinha medo de que ele fizesse algo para sabotar seu negócio. Não só possuía grande influencia na Flórida e seus arredores, mas sim, além disso, acabava de lhe dizer que era dono de um hotel em uma cidade que vivia do turismo. Resultaria-lhe fácil causar problemas a sua agência, e era evidente que Bella esperava que fizesse precisamente isso. Não tinha muito boa opinião dele, pensou com ironia.
Diabos, como não ia ter? Doze anos atrás, em uma calorosa noite do verão, ele a tinha afundado no lixo. Depois daquela noite, provavelmente o imaginava como o demônio em pessoa.
Tão somente uma hora antes a tinha assustado agarrando-a pelo braço sem nenhuma cerimônia, embora Cabecinha Vermelha resultou estar mais furiosa que assustada; pôs-se a golpeá-lo, com aqueles olhos verdes entrecerrados e brilhantes pela determinação. E logo a ele não lhe tinha ocorrido outra coisa que abraçá-la em uma via pública, lhe agarrar o traseiro, levantá-la do chão e lhe esfregar sua ereção contra sua púbis. Não era de se surpreender que fugisse dele quando por fim se viu livre.
Exceto... Que não tinha protestado. Em lugar disso se mostrou tão ardente e carinhosa que agora se sentiu embriagado ao recordá-la em seus braços, amoldada à forma de seu corpo. Estava tensa e tremendo de desejo, vibrante. Sua reação o nocauteou, impressionou-o de tal modo que ainda não se recuperou. Por um momento se viu cego pela luxúria, insensível a tudo exceto a urgente necessidade de estar dentro dela. Se não o tivesse sobressaltado aquele trovão, possivelmente tivesse tentado tomá-la ali mesmo, de pé no portal, com as pessoas passando a menos de um metro deles. Não recordava haver-se sentido nunca tão irracional por uma mulher de forma que nada mais lhe importasse, mas Bella o tinha reduzido a aquele nível com apenas um beijo.
Só um beijo, doce e picante ao mesmo tempo, tão ardente que o abrasou. Sua língua, enroscada na sua no jogo do amor. A sensualidade sem reservas no modo em que ela o sugou. A pressão de seu corpo, ávida e instintiva. Bella o desejava, com tanta violência como ele desejava a ela.
Sua memória recreou a robusta plenitude das nádegas de Bella em suas mãos, e fechou os punhos com força para reprimir o formigamento que sentia nas mãos. Era pior do que tinha pensado aquele insistente desejo de possuí-la. Não estava acostumado a reprimir seus apetites sexuais, mas as barreiras que se elevavam entre eles eram de uma vez sólidas e exasperantes. Estava sua mãe, que se tinha retraído totalmente quando se enfrentou à humilhação de que seu marido a deixasse pela puta da cidade. Leslie, com os pulsos cortados e o sangue encharcando-se os seus pés; a palidez de seu rosto era outra imagem que não esqueceria jamais. Logo estavam seus próprios sentimentos, a raiva e a dor de ver-se abandonado por seu pai. Mas as barreiras não estavam todas em seu lado; entre Bella e ele flutuava a lembrança daquela noite, um Muro do Berlim mental, demolidor e sem paliativos. Muita dor, muitas razões.
Mas a seus corpos isso importava um nada.
Assim era em resumidas contas. Ele não era um Don Juan, mas estava claro que sempre lhe tinha resultado fácil ter relações sexuais. Entretanto, em sua dilatada experiência nada o tinha preparado para aquela... Febre. Não podiam olhar um ao outro sem sentir aquele calor. E quando se tocavam, era como uma fogueira.
Passeou nervoso pela habitação, tratando de encontrar um modo de salvar aquelas barreiras.
Bella não podia ficar em Nashville, isso era pedir muito a sua família. Não, não podia retroceder em seu empenho de fazer a vida impossível a Bella, embora de todos os modos não houvesse muito que ele pudesse, ou quisesse, fazer. Tinha-a incomodado, e ponto. Não podia ficar a acossá-la de verdade.
Bella não merecia; ela também era uma vítima. Tinha trabalhado com esforço para ser algo na vida, e o tinha obtido. Se não fora pela família, ele a receberia com os braços abertos. E também com a braguilha aberta, pensou com ironia, sentindo o formigamento da excitação na virilha.
Mas não ia poder convencer a sua família, não podia mudar seus sentimentos, de modo que Bella teria que partir. Possivelmente não muito longe. Talvez pudesse persuadi-la de que se mudasse ao Baton Rouge ou inclusive a alguma das cidades que rodeavam Nashville. Um lugar fora da paróquia, mas que estivesse o bastante perto para poderem ver-se. Bella tinha cometido um erro estratégico ao lhe permitir ver o muito que o desejava, porque agora ele poderia servir-se disso para convencê-la de que se mudasse. Aqui não podemos estar juntos. Vá para outra parte, e nos veremos tão freqüentemente como é possível. Aquilo não ia gostar a Bella; o mais provável era que o mandasse ir pastar, de momento. Mas a febre não desapareceria, seguiria bulindo nela igual bulia nele. Se aproveitasse qualquer oportunidade para avivar as chamas, ela terminaria vendo as coisas como as via ele, caso que os dois não acabassem queimando-se enquanto isso.
Bella poderia ficar com a casa de Nashville, se o fato de lhe vendê-la parecia renunciar a muito. Compraria-lhe outra nova, onde lhe desejasse.
Enfrentava-se a dois fatos: Bella tinha que partir de Nashville, e ele tinha que fazê-la sua.
Fizesse o que fizesse falta, tinha que possuí-la.
—Estou de acordo com você — disse o senhor Pleasant, bebendo um sorvo do chá gelado que lhe tinha devotado Bella. —Eu acredito que Bob Carter está morto, e que leva assim doze anos.
Aquele dia vinha vestido com um traje de algodão de cor azul clara; teria resultado vulgar se não fosse porque lhe assentava estupendamente, se a camisa branca não estivesse imaculada e a gravata, impecável. No senhor Pleasant, um traje de algodão parecia elegante. Seus olhos tinham perdido parte daquela tristeza, substituída por uma faísca de interesse.
Estavam sentados na sala de estar, refrescado pelo ar condicionado. Bella se surpreendeu quando recebeu sua chamada; só tinham transcorrido dois dias desde que contratou seus serviços. Mas ali estava com um caderno apoiado no joelho.
—Não há rastro dele da noite em que desapareceu — informou. —Não existem compras com cartão de crédito, nem reintegrações bancárias, nem pagamentos de impostos de Segurança Social nem declarações de renda. O senhor Carter não era um delinqüente, assim não precisava mudar de nome nem desaparecer de forma tão fulminante. Assim, o mais lógico é que esteja morto.
Bella lançou um profundo suspiro.
—Isso é o que eu tinha pensado. Mas queria me assegurar antes de começar a fazer perguntas.
—Suponho que será consciente de que, se o assassinaram, as perguntas que faça porão muito nervoso a alguém. —Tomou outro sorvo de chá. —A situação poderia voltar-se perigosa para você, querida. Talvez fosse melhor não levantar a lebre.
—Já pensei da possibilidade de que haja perigo — admitiu Bella. —Mas tendo em conta a relação que tinha minha mãe com ele e o fato de que todo mundo acredita que fugiram juntos, a ninguém surpreenderá meu interesse. Meu descaramento pode, mas não meu interesse.
Ele riu levemente.
—Suponho que dependerá de como sejam as perguntas. Se você se apresentasse e dissesse que em sua opinião o senhor Carter foi assassinado, isso atrairia grande atenção. —Ficou sério e suavizou o tom. —Meu conselho é que o esqueça. O assassinato, se é que o houve, teve lugar faz doze anos. O tempo apaga muitos rastros, e você não tem provas que lhe indiquem por onde começar. É provável que não encontre nada, mas em troca pode ficar em perigo.
—Nem sequer tentar averiguar o que aconteceu? —perguntou Bella com suavidade. —E deixar impune um assassinato?
—Ah. Está você pensando em justiça. É um conceito maravilhoso, se as pessoas dispuserem de meios para levá-lo a prática. Mas em ocasiões terá que so pesar a justiça com outras considerações, e por meio está à realidade. Provavelmente ao senhor Carter o assassinaram. Provavelmente sua mãe esteja implicada, pelo fato se soubesse se não de ter tomado parte. Poderia assimilar isso? E se morreu de forma acidental, mas ela fora acusada de homicídio? O nome de Nick Carter é muito poderoso; você acha que ele deixaria sem castigo a morte de seu pai? Quão pior poderia passar, naturalmente, é que sua morte não tenha sido acidental. Nesse caso, querida, estaria você claramente em perigo.
Bella suspirou.
—Meus motivos para querer averiguar o que lhe ocorreu não são inteiramente altruístas. De fato, são bem mais egoístas. Quero viver aqui, este é meu lar, aqui é onde cresci. Mas não serei aceita enquanto todo mundo pense que Bob fugiu com minha mãe. Os Carter não querem me ver aqui, Nick está me pondo as coisas difíceis. Não posso fazer a compra em Nashville, não posso nem pôr gasolina no carro. A não ser que demonstre que minha mãe não teve nada que ver com o desaparecimento do Bob, jamais terei um amigo neste lugar.
—E se demonstrar que ela o matou? —perguntou brandamente o senhor Pleasant.
Bella se mordeu o lábio e fez girar o copo frio e úmido entre as mãos.
—Esse é um risco que terei que correr. —Disse-o em voz baixa, quase inaudível. —Sei que se ela for culpada não poderei viver aqui. Mas saber o que ocorreu de verdade, por pior que seja não o será tanto como não sabê-lo. É possível que não descubra nada, mas vou tentar.
O detetive suspirou.
—Já imaginava que diria isso. Se não lhe importar, eu gostaria de fazer umas poucas perguntas pela cidade, só por curiosidade. Talvez as pessoas digam algo que não diria a você.
Aquilo era verdade. Agora que se sabia quem era, a maioria da pessoas se fecharia ao redor dela antes que desafiar ao Nick. Mesmo assim, o senhor Pleasant já tinha terminado o trabalho para o que Bella o tinha contratado.
—Não posso me permitir que investigue mais — disse sinceramente.
Ele agitou a mão para desprezar a idéia.
—Isto é por minha curiosidade. Sempre me gostaram dos bons mistérios.
Bella o olhou duvidosa.
—Alguma vez isso lhe impediu de cobrar os honorários normais?
—Não — admitiu-o, rindo. —Mas não necessito do dinheiro, e eu gostaria de saber o que aconteceu ao senhor Carter. Não sei quanto tempo poderei seguir trabalhando, tal como está meu coração. Provavelmente não será muito, de modo que vou empregar o tempo só em casos que me interessem. Quanto ao dinheiro... Bom, digamos que neste momento não me faz muita falta.
Agora que sua mulher havia falecido, quis dizer. De repente se enfrascou em repassar suas notas, e Bella soube que estava lutando uma vez mais por conter as lágrimas. Concedeu-lhe a dignidade do fingimento e lhe perguntou se queria um pouco mais de chá gelado.
—Não, obrigado. Estava delicioso, perfeito para este calor. —ficou de pé e se estirou o traje. —Lhe informarei se obtiver alguma resposta interessante. Há algum motel na cidade?
Bella lhe indicou como chegar ao motel enquanto saía com ele ao alpendre.
—Jante comigo esta noite — o convidou em um impulso, pois não gostava da idéia de que jantasse sozinho arrumando-se com um sanduíche.
Ele se ruborizou até a raiz do cabelo.
—Será um prazer.
—Importaria-lhe que jantemos as seis? Prefiro que seja cedo.
—Eu também, senhora Hardy. As seis, então.
Sorria quando se encaminhou alegre e satisfeito em direção a seu carro. Bella o contemplou arrancar e partir e depois retornou ao trabalho que tinha deixado abandonado ao chegar ele. Estava desejando que chegasse a hora de jantar; decididamente tinha desenvolvido um sentimento de ternura pelo senhor Pleasant.
O detetive chegou pontual, as seis, tal como ela tinha previsto, e se sentaram a dar conta de um jantar leve a base de costeletas de porco na brasa, arroz ao açafrão e feijões verdes. Ele não deixava de olhar a seu redor, absorvendo os pequenos detalhes: os guardanapos de linho engomados, o fragrante centro de diminutas rosas silvestres, os aromas da comida caseira, e Bella soube que sentia falta de tudo aquilo desde a morte de sua esposa. Delicia-ram-se na sobremesa, um sorvete de limão com o grau exato de acidez. Falar com ele resultava fácil; era muito antiquado, e a Bella pareceu reconfortante. Tinha sido tão escassa a consideração de qualquer tipo que teve durante infância que agora a apreciava duplamente.
Eram quase as oito quando alguém bateu na porta com um único golpe. Bella ficou rígida; não precisava abrir para saber quem esperava ao outro lado.
—Ocorre algo mau? —perguntou o senhor Pleasant, muito perspicaz para não dar-se conta da mudança de seu semblante.
—Acredito que o senhor está a ponto de conhecer o Nick Carter — disse ela ao mesmo tempo em que se levantava e se dirigia à porta. Como de costume, o coração lhe pulsava muito depressa e com muita violência ante a perspectiva de ver o Nick, de falar com ele. Aquilo não tinha mudado em mais de quinze anos; bem podia seguir tendo onze anos, suspirava por seu herói.
Estava anoitecendo, os longos dias de primavera resistiam a ceder sua luminosidade. A silhueta do Nick se recortava contra a pálida cor opala do céu, uma figura alta e de ombros largos, sem rosto.
—Espero não te haver interrompido — disse, mas havia em seu tom uma conotação dura que indicou a Bella que não lhe importava um nada se a interrompia ou não.
—Se assim fosse, não teria aberto a porta — repôs ela ao mesmo tempo em que lhe franqueava o passo. Não pôde apagar o desafio que se advertia em sua própria voz, embora tentasse suavizá-lo por respeito ao senhor Pleasant.
O sorriso do Nick não foi mais que um ato de mostrar os dentes quando se voltou para o senhor Pleasant, o qual se levantou cortesmente de seu assento ao entrar ele. De repente a habitação pareceu muito pequena, cheia e dominada pela presença masculina e vital do Nick, repartida em seu metro noventa de estatura. Levava uma camisa branca, jeans negros e botas de salto baixo, e tinha mais que nunca o aspecto de um pirata. Seus dentes lançavam brilhos brancos, igual ao minúsculo diamante que levava na orelha.
—Já terminamos de jantar — disse Bella em tom neutro, recuperando o controle. —Senhor Pleasant, este é Nick Carter, um vizinho. Nick, Francis Pleasant, de Nova Orleans.
Nick lhe estendeu a mão, que engoliu a do detetive, menor.
—Amigo ou sócio? — perguntou como se tivesse direito a aquela informação.
Ao senhor Pleasant lhe faiscaram os olhos, e enrugou a boca com gesto pensativo ao tempo que recuperava sua mão.
—Bom, eu diria que ambas as coisas. E você? É amigo, além de vizinho?
—Não — disse Bella.
Nick lhe lançou um olhar rápido e duro.
—Não exatamente — disse.
Os olhos do senhor Pleasant faiscaram ainda mais.
—Compreendo. —Agarrou a mão de Bella e a levou aos lábios para um beijo de cortesia e depois lhe depositou outro na bochecha. —Tenho que ir, querida, meus velhos ossos querem descansar. Ultimamente meu horário parece o de um bebê. Foi um jantar encantador. Obrigado por me convidar.
—O prazer foi meu — disse ela, lhe apertando a mão e beijando-o na bochecha por sua vez.
—Ligarei — prometeu quando se dirigia à porta. Igual a tinha feito pela manhã, Bella aguardou na soleira até que ele esteve no carro e se despediu com a mão quando deu marcha ré para sair do caminho de entrada.
Lutando para controlar o pânico, fechou a porta e se voltou para olhar de frente ao Nick, o qual se foi aproximando devagar até ficar apenas ao meio metro dela. Tinha os olhos obscurecidos pela cólera.
—Quem demônios é? —rugiu. —Seu velho protetor? Mesclou negócios e prazer
—Não é teu assunto — repôs Bella em tom terminante. Olhou-o com expressão de fúria, lutando por reprimir aquele pequeno ataque de ira sem obtê-lo de tudo. O senhor Pleasant era quarenta anos mais velho que ela, mas, naturalmente, o primeiro pensamento do Nick tinha sido que se deitava com ele.
Aproximou-se um passo mais, anulando a escassa distância que os separava.
—É obvio que é meu assunto, leva dois dias sendo-o.
As bochechas de Bella se tingiram de um intenso rubor ante aquela referência ao que tinha passado entre eles
—Isso não significou nada — começou com voz áspera pelo sobressalto, mas ele a tirou dos ombros e lhe deu uma rápida sacudida.
—E uma droga. Talvez necessite que te refresque a memória.
Inclinou a cabeça e, muito tarde, ela levantou as mãos para lhe impedir de aproximar-se. As palmas se chocaram contra seu peito ao mesmo tempo que sua boca cobria a dela, e imediatamente se sentiu engolida por um intenso calor. O calor do Nick. O seu próprio. Zumbiram-lhe os ouvidos e se balançou contra ele, abrindo os lábios para acoplar-se com maior precisão a exigente pressão dos de Nick, para deixar passar sua língua quente. Rodearam-na todos os azuis, dourados e granadas de seu aroma, introduziram-se nela, possuíram-na. Notou sob a palma direita o retumbar de seu coração que pulsava com força, e sua imediata ereção contra o ventre, e seus quadris reagiram de modo automático, procurando.
Nick levantou a cabeça e retrocedeu, deixando um espaço de alguns centímetros entre ambos.
Respirava com força, seu olhar se intensificou pela excitação, seus lábios estavam úmidos e avermelhados, e ligeiramente inchados pela força do beijo. Moveu os dedos sobre os ombros de Bella, massageando, acariciando.
—Não negue o que aconteceu.
—Não aconteceu nada — mentiu Bella em um tom desafiante que ocultava seu desespero. Nick sabia que era mentira, ela viu a fúria em seu rosto, mas o disse de todas as formas. Sabia o que fazia.
—Sim, e King Kong não era mais que um macaco. Maldita seja, fica quieta — disse irritado, elevando uma mão para agarrá-la, e desta vez lhe segurou os braços. —Me está enjoando com esta bobagem. Não vou jogar-te ao chão e subir em cima de ti... Pelo menos, não no momento.
Os olhos de Bella relampejaram de pânico.
—Pode apostar o que quiser que não o fará! —gritou, tentando de novo soltar-se. —Nem esta noite, nem nunca!
—Quer parar de uma vez? —espetou-lhe ele. —Vais fazer-te dano.
Com um rápido movimento, fez-a girar sobre si mesmo e a aprisionou com os braços cruzados sob seus peitos, lhe segurando as mãos. Assim de rápido, assim de fácil, viu-se submetida e rodeada, com aquele corpo musculoso apertado contra suas costas. Surgiu a tentação, intensa e imediata, insistindo-a a relaxar o pescoço e deixar cair à cabeça sobre o peito dele, deixar que seu corpo se abrandasse e se adaptasse ao dele, permitir-se inalar o perfume forte e almiscarado de sua pele e intoxicar-se pouco a pouco. Estremeceu-se ao sentir como aumentava seu desejo, e soube que se lhe oferecesse uma mínima reação naquele momento, estaria perdida. Não lhe custaria nem cinco minutos tê-la na cama em posição horizontal.
—Vê-o? —disse Nick suavizando o tom de voz até transformá-lo em um ronrono aveludado ao sentir como tremia. Seu fôlego quente lhe roçou o cabelo. —O único que tenho que fazer é te tocar. Ocorre-me o mesmo, Bella. Não acredito que isto sirva de nada, mas por Deus, desejo-te, e vamos ter que fazer algo a respeito.
Bella fechou os olhos, ainda tremendo pelo esforço de resistir a ele, e negou levemente com a cabeça.
—Não.
—Não, o que? —Esfregou a bochecha contra o cabelo de Bella. —Não me deseja, ou não vamos fazer nada a respeito? No que está mentindo agora?
—Não te permitirei — disse isso ela, sem deixar que a distraísse. Abriu os olhos e fixou a vista à frente, em um dos abajures, em um esforço por fazer caso omisso dos braços que a rodeavam. —Não te permitirei que volte a me tratar como se fosse lixo.
Ele ficou quieto, até sua respiração se deteve por um instante. Depois expulsou o ar em silêncio.
—Isso sempre nos separou, não é verdade? —Não havia necessidade de concretizar mais; a lembrança daquela noite era quase tangível. Calou durante uns instantes. — Neném, estou informado da Holiday Travel, sei que conseguiste tudo o que tem a base de trabalho. Sei que não é como sua mãe.
OH, Deus. Sabia da agência. Lutou por reprimir uma quebra de onda de pânico e concentrar-se na última frase.
—Certamente — disse com amargura. —Tem tão alta opinião de minha forma de ser que acaba de me acusar de ter um velho protetor. Meu Deus convidei um homem solitário para jantar comigo, assim, é obvio, estou-me deitando com ele! —Furiosa, tentou uma vez mais liberar-se.
Nick a apertou com mais força até que Bella logo que pôde respirar.
—Hei-te dito que fique quieta — a admoestou. —Te vão sair manchas roxas.
—Se me saírem será tua culpa, não minha! É você quem está usando a força!
Lançou uma patada para trás, e lhe acertou na tíbia com o salto, mas usava sapatilhas de sola branda e ele calçava botas. Soltou um grunhido, mas Bella sabia que não lhe tinha doído. Retorceu-se, tentando dar a volta para poder lhe fazer mais dano.
—É uma... Gatinha... Selvagem — disse ele, ofegando pelo esforço de controlá-la. —Maldita seja, quer ficar quieta! Estava ciumento — reconheceu suavemente.
Durante uns momentos Bella esteve muito aturdida para reagir. Permaneceu imóvel no círculo que formavam os braços do Nick, sem baixar a guarda, mas com uma embriagadora sensação de euforia. Ciumento! Não podia estar ciumento, a menos que sentisse algo por ela... Não. Não podia permitir cair naquela armadilha. Não se atrevia a acreditá-lo. Já tinha presenciado sua técnica de sedução, recordava como tranqüilizou ao Lindsey Partain lhe fazendo elogios, lhe dizendo o muito que a desejava, que a necessitava. Dava-lhe muito bem conseguir o que queria. Embora não duvidava que a desejasse fisicamente, tendo as provas tão proeminentes, sabia que o resto não tinha mudado; ainda queria que se fosse dali, e se valeria de sua debilidade por ele para convencê-la de que o fizesse.
—Sinceramente espera que te acredite? —perguntou por fim, com uma gota de receio em cada palavra.
Ele moveu para frente os quadris.
—Acaso nega isto?
Bella se obrigou a si mesmo a encolher os ombros.
—O que tenho que negar? Que está excitado? Pois muito bem. Isso não significa nada.
Uma risada vibrou no peito do Nick.
—Menos mal que tenho a auto-estima muito sã, do contrário me provocaria um complexo de inferioridade.
Bella desejou que não risse. Não queria que tivesse senso de humor, queria que fora um homem de espírito mesquinho e mente estreita, para poder desprezá-lo. Mas em troca era atrevido e audaz, e tinha uma risada que desarmava a qualquer um. Era desumano, mas não mesquinho.
Nick inclinou a cabeça para lhe acariciar a orelha com o nariz, e o calor de seu fôlego lhe fez cócegas na sensível pele daquela zona.
—Isso não tem por que ser um problema — murmurou. — Podemos estar juntos... Não aqui, mas há uma solução.
Bella ficou rígida de novo.
—Com certeza que sim. E tem haver com que eu vá embora, não é verdade?
Nick tirou a língua e começou a brincar com o lóbulo da orelha de Bella antes de apanhá-lo entre os dentes e mordiscá-lo sensualmente.
—Não teria que ir muito longe — a enrolou. —Nem sequer tem que vender esta casa. Eu te comprarei outra, maior se quiser...
Bella sentiu que a devorava a fúria, candente e efervescente. Escapou aproveitando que Nick tinha afrouxado seu abraço e girou para encarar-se com ele, com o rosto branco e os olhos jogando chamas.
—Cale-se! Não deixa de pensar que estou à venda, não é verdade? O único que mudou é que transladaste a um nível de preços mais alto! Não quero sua maldita casa, mas quero que você saia da minha! Agora mesmo!
Nick entreabriu os olhos e não se moveu um só centímetro.
—Não estava pensando
—Um bom intento, mas te conheço muito bem. Vi-te em ação, não te lembra? —A lembrança daquela noite se notou na amargura de seu tom e brilhou como um relâmpago entre ambos. Também tinha outra lembrança, que Nick não conhecia: aquela ocasião em que o viu em companhia do Lindsey Partain. Efetivamente, tinha-o visto em ação.
Nick guardou silêncio por espaço de uns instantes, enquanto a percorria com seu olhar claro.
—Isso não voltará a ocorrer — disse brandamente.
—Não, não ocorrerá — conveio Bella, elevando o queixo. —Não permitirei que volte a me tratar assim.
—Não teria muitas alternativas, se eu decidisse fazê-lo. Nick recuperando aquele brilho perigoso nos olhos. Deu-lhe um golpezinho sob o queixo. —Recorda-o, querida. Posso jogar muito mais forte do que joguei até agora.
Ela afastou a cabeça bruscamente.
—Eu também.
Ele deslizou o olhar por seu corpo, e a expressão de seus olhos foi transformando-se em algo lento e ardente.
—Com certeza que sim. Quase me está tentando a que averigüe que tal te dá jogar duro, só para me divertir. Mas esta conversação se saiu do tema. Não estamos em guerra, neném. Podemos chegar a um interessante acerto e nos passar isso bem sem fazer mal a minha família, só com que você aceite.
—Não — respondeu Bella.
—Essa deve ser sua palavra favorita. Estou começando a me cansar de ouvi-la.
—Então não te aproxime. —Bella suspirou, cansada de brigar, e sacudiu a cabeça em um gesto negativo. —Eu não quero fazer mal a sua família, não vim por isso. Este é meu lar; não quero causar problemas, só desejo viver aqui. Se tiver que lutar contigo para consegui-lo, lutarei.
—Então já está traçada a linha de batalha. —Nick se encolheu de ombros. —É coisa tua quantos problemas está disposta a suportar para viver aqui. Eu não penso retroceder; segue sem ser bem-vinda neste lugar. Mas se mudar de opinião, o único que tem que fazer é me chamar. Eu me ocuparei de ti, sem fazer perguntas, sem me burlar.
—Não penso te chamar.
—Talvez não, mas talvez sim. Pensa no que poderíamos ter juntos.
—O que? Um par de horas por semana? Mentir a respeito de onde está, porque você não quer que se inteire sua família? —Obrigada, mas não.
Nick levantou uma mão e tomou a bochecha, e esta vez ela não se afastou. Passou-lhe brandamente o dedo polegar pelo lábio inferior, apalpando sua brandura.
—É mais que simplesmente transar — disse com suavidade. — Embora Deus saiba que isso o desejo tanto que quase me faz mal.
Bella desejava desesperadamente acreditá-lo, mas por isso precisamente não se atrevia. Teve que reprimir as lágrimas enquanto sacudia a cabeça e lhe dizia:
—Por favor, saia.
—Está bem, já vou. Mas pensa nisso. —Voltou-se para a porta, mas se deteve. —Quanto a sua empresa...
Bella se alarmou instantaneamente e se preparou para outro enfrentamento.
—Se te atrever a fazer algo que prejudique meu negócio...
Ele a olhou com impaciência.
—Cala. Não vou fazer nada. Só queria que soubesse que estou muito orgulhoso de ti. Alegro-me de que tenha conseguido tanto. De fato, hei-lhe dito ao diretor de meu hotel que preste uma consideração especial aos grupos que tenham feito reserva por meio de sua agência.
Orgulhoso dela? Bella permaneceu em silêncio até que Nick partiu, e então as lágrimas que tinha reprimido começaram a lhe rodar pelas bochechas. Atreveria-se a acreditar naquilo?
Mas se deu conta de que não podia. Permaneceria fiel a sua decisão original de não enviar mais grupos a aquele hotel.
Mas as lágrimas seguiram rodando. Nick lhe havia dito que estava orgulhoso dela.
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