quarta-feira, 31 de março de 2010

Fic After The Night Cap 4

Nick conseguiu percorrer pouco mais de meio quilômetro antes que o tremor se voltasse tão intenso que teve que deter o automóvel. Apoiou a cabeça no volante e fechou os olhos em um intento de controlar as ondas de pânico. Deus, o que ia fazer? Jamais tinha estado tão assustado como agora.
Sentiu-se invadido pela confusão e a dor, igual a um menino que se põe a correr para esconder a cara nas saias de sua mãe, igual a aquele pequeno dos Smith que tentava ocultar-se atrás das magras pernas de sua irmã. Mas ele não podia acudir a Jane; inclusive quando era menino ela separava de si suas pequenas mãozinhas, e ele tinha aprendido a recorrer a seu pai para que o tranqüilizasse. Embora Jane fora mais afetuosa, agora não podia ir a ela em busca de apoio, porque ela buscaria a ele pela mesma razão. Agora tinha a responsabilidade de cuidar de sua mãe e de sua irmã.
Por que Bob tinha feito algo assim? Como podia haver-se ido? A ausência de seu pai, sua traição, causaram em Nick a sensação de que lhe tinham esmigalhado o coração. Bob tinha a Renée de todas as maneiras; o que lhe teria devotado ela para tentá-lo a dar as costas a seus filhos, seu negócio, seu patrimônio? Sempre tinha estado próximo a seu pai, tinha crescido rodeado por seu amor, sempre havia sentido seu apoio como uma sólida rocha a suas costas, mas agora essa presença amorosa e tranqüilizadora tinha desaparecido, e com ela os alicerces de sua vida.
Estava aterrorizado. Só tinha vinte e dois anos, e os problemas que se abatiam sobre eles lhe pareciam montanhas impossíveis de escalar. Jane e Leslie não sabiam ainda; de algum modo teria que encontrar a força que necessitava para dizer-lhe. Tinha que ser uma rocha para elas, e devia deixar a um lado sua própria dor e concentrar-se em manter a flutuação a situação econômica da família, ou se arriscariam a perder tudo. Aquela não era a mesma situação que teria lugar se Bob tivesse morrido, pois Nick teria herdado as ações, o dinheiro e o controle. Tal como estavam às coisas agora, Bob seguia sendo o dono de tudo, e não estava ali. A fortuna dos Carters podia desmoronar-se a seu redor, investidores precavidos abordariam o navio e diversas juntas administrativas se fariam com o poder. Nick teria que lutar com todas as suas forças para conservar sequer a metade do que tinha agora.
Ele, Leslie e Jane possuíam alguns ativos a seu nome, mas não seriam suficientes. Bob tinha repartido ao Nick um curso acelerado para dirigir tudo, mas não lhe tinha outorgado o poder para fazê-lo, a menos que tivesse deixado uma carta que o convertesse em seu delegado. Uma esperança desesperada se acendeu no mais recôndito de seu cérebro. Uma carta assim, se é que existia, encontraria-se na escrivaninha do escritório.
Se não fosse assim, teria que chamar o Alex e lhe pedir ajuda para traçar uma estratégia. Alex era um homem do mais inteligente e um bom advogado de empresa; poderia ter um trabalho muito mais lucrativo em outra parte, mas estava respaldado pelo dinheiro de sua família e não sentia a necessidade de partir de Nashville. Tinha levado até então todos os negócios do Bob, além de ser seu melhor amigo, de modo que conhecia sua situação jurídica tanto ou mais que Nick.
Deus sabia, pensou Nick com gesto sombrio, que ia necessitar de toda a ajuda que pudesse conseguir. Se não existia um poder escrito, seria afortunado de conservar um teto sob o que cobrir-se.
Quando levantou a cabeça do volante, já tinha recuperado o controle de si mesmo, tinha empurrado a dor até o fundo e o tinha substituído por uma fria determinação. Por Deus, sua mãe e sua irmã iriam passar já bastante mal fazendo frente a aquela situação; maldito fora se permitia que perdessem também seu lar.
Colocou a marcha e arrancou, deixando atrás os últimos retalhos de sua infância sobre o desgastado caminho de terra.
Em primeiro lugar foi a Nashville, ao escritório do Alex. Teria que mover-se depressa para salvar tudo.
Andrea sorriu imediatamente quando entrou, algo que as mulheres estavam acostumadas a fazer ao vê-lo. A cor destacava um pouco seu rosto redondo e agradável. Tinha quarenta e cinco anos, idade suficiente para ser sua mãe, mas a idade não tinha nada que ver com sua instintiva reação feminina à presença alta e musculosa do jovem.
Nick devolveu automaticamente o sorriso, mas sua mente trabalhava a toda velocidade fazendo planos.
—Há alguém com o Alex? Preciso vê-lo.
—Não. Está sozinho. Pode entrar, querido.
Nick rodeou a mesa de Andrea, entrou no escritório do Alex e fechou a porta firmemente atrás de si. Alex levantou a vista da organizada pilha de arquivos que havia sobre sua mesa e ficou de pé. Seu arrumado semblante estava contraído pela preocupação.
—Encontraste-o?
Nick negou com a cabeça.
—Renée Smith também desapareceu.
—OH, Deus. —Alex voltou a se deixar cair em sua poltrona, fechou os olhos e se beliscou a ponte do nariz. — Não posso acreditar. Não acreditei que o dissesse a sério. Deus, por que ia dizer a sério? Já estava... —interrompeu-se e abriu os olhos, ligeiramente ruborizado.
—Dormindo com ela de todas as formas — terminou Nick sem rodeios. Foi até a janela e ficou um momento ali, com as mãos nos bolsos, observando a rua. Nashville era uma cidade pequena, só contava com uns quinze mil habitantes, mas aquele dia um intenso tráfico rodeava a praça da delegacia. Logo todos aqueles habitantes se inteirariam de que Bob Carter tinha abandonado a sua mulher e a seus filhos para fugir-se com a puta dos Smith.
—Sua mãe já sabe? —perguntou Alex com voz tensa.
Nick sacudiu a cabeça negativamente.
—Ainda não. O direi a ela e a Leslie ao retornar a casa. —A impressão e a dor dos primeiros momentos tinham desaparecido deixando atrás uma implacável força de vontade e um certo distanciamento, como se visse a si mesmo de longe em um filme. Um pouco daquela distância se filtrava em seu tom de voz e lhe emprestava uma tintura de segurança e calma. —Te deixou papai algum poder escrito para mim?
Era evidente que até então Alex só tinha pensado nas ramificações pessoais da deserção do Bob. Agora caiu na conta dos aspectos jurídicos, e seus olhos se aumentaram de horror.
—Droga — disse, caindo em uma vulgaridade inusitada. — Não, não o deixou. Se o tivesse feito, eu teria sabido que dizia a sério o de fugir-se e teria tentado detê-lo.
—Talvez haja uma carta no escritório de casa. Pode que telefone dentro de um dia ou assim. Nesse caso, não haverá problemas no aspecto econômico. Mas se não haver nenhuma carta e se ele não ligar... Não posso me permitir o luxo de esperar. Terei que liquidar tudo o que me seja possível antes de que a notícia do acontecido se estenda por aí e os preços das ações caiam como uma pedra.
—Ligará — disse Alex fracamente. Tem que ligar. Não pode simplesmente dar as costas a uma obrigação econômica como esta. Há uma fortuna implicada!
Nick se encolheu de ombros. Sua expressão era uma folha em branco.
—Já deu as costas a sua família. Não posso me permitir o luxo de supor que para ele isso é mais importante seu negócio. —Calou durante uns instantes. —Não acredito que volte nem que ligue. Acredito que sua intenção era dar as costas a tudo e não retornar jamais. Esteve-me ensinando tudo o que pôde, e agora entendo por que. Se tivesse a intenção de permanecer à frente de tudo, não teria feito isto.
—Nesse caso, deveria haver um poder escrito — insistiu Alex— Bob era um homem de negócios muito agudo para não haver-se ocupado de algo assim.
—Pode ser, mas eu tenho que pensar em minha mãe e na Leslie. Não posso esperar. Tenho que liquidar já, e conseguir todo o dinheiro que possa para ter algo com o que trabalhar e construir de novo. Se não o fizer, e se ele não faz nada por arrumar a situação, não teremos nem um lugar para dormir.
Alex tragou saliva, mas afirmou com a cabeça.
—De acordo. Porei-me a fazer o que puder para salvar sua situação legal, mas tenho que te dizer que a menos que Bob fique em contato contigo ou tenha deixado um poder escrito, vai ser uma boa confusão. Tudo está bloqueado a não ser que Jane se divorcie dele e o tribunal lhe a conceda metade dos ativos, mas isso levará tempo.
—Tenho que fazer planos para o pior — disse Nick. —Irei a casa e procurarei essa carta, mas não espere ter minhas notícias para começar. Se não houver poder, chamarei imediatamente ao agente de bolsa e começarei a vender. Aconteça o que acontecer lhe farei saber isso. Não diga nada até que eu te chame.
Alex ficou de pé.
—Nem sequer o contarei a Andrea. — passou-se as mãos pelo cabelo, uma indicação de que estava preocupado, porque Alex não era dado aos gestos de nervosismo. Seus olhos cinzas estavam obscurecidos pela angústia. Sinto muito, Nick. Tenho a sensação de que isto foi minha culpa. —Deveria ter feito algo.
Nick moveu a cabeça em um gesto negativo.
—Não te culpe. Como há dito quem ia pensar que falava a sério? Não, as únicas pessoas às que culpo são papai e Renée Smith. Esboçou um sorriso glacial. —Não me ocorre nada que ela tenha e que seja tão bom para obrigá-lo a abandonar a sua família, mas evidentemente o tem. —Fez uma pausa, perdido por um instante no negrume de seus pensamentos, e a seguir sacudiu a cabeça e se encaminhou para a porta. —Te chamarei quando descobrir algo.
Uma vez que se foi, Alex se afundou de novo em sua poltrona com movimentos rígidos e sem forças. Logo que conseguiu controlar a expressão de sua cara quando Andrea apareceu no escritório, picada pela curiosidade.
—O que acontece ao Nick?
—Nada importante. Um assunto pessoal de que queria falar comigo.
A mulher se sentiu decepcionada de que seu chefe não confiasse nela.
—Há algo que eu possa fazer para ajudar?
—Não, tudo irá bem. —Alex deixou escapar um suspiro e se esfregou os olhos. —Por que não te vais comer e me traz um sanduíche ou algo? Estou esperando uma chamada, assim não posso me mover daqui.
—Está bem. O que quer?
Ele agitou a mão.
—Algo. Já sabe o que eu gosto. Surpreenda-me.
Andrea transportou no escritório por espaço de uns minutos, desligando o computador que ele tinha comprado um ano antes, guardando os disquetes, agarrando sua bolsa. Quando partiu, Alex aguardou uns minutos mais antes de passar à outra habitação e fechar a porta com chave. Então se sentou na cadeira dela e ligou o computador, e ficou a teclar a toda pressa.
—Maldito seja, Bob — sussurrou. —É um filho da mãe.

Nick estacionou o Cadilac diante dos cinco amplos degraus que conduziam ao alpendre coberto e a dupla porta frontal, embora Jane não gostava daquilo e preferia que os carros da família estivessem devidamente protegidos e fora da vista na garagem anexa à parte posterior da casa. O caminho de entrada dianteiro era para as visitas, que não deviam poder distinguir que membros da família se encontravam em casa a julgar pelos veículos ali estacionados. Dessa maneira, as pessoas não sentiam a obrigação de admitir que estivesse ali e não se via forçado a receber visitas não desejadas. Algumas das idéias de Jane eram claramente vitorianas; no geral lhe dava o capricho, mas hoje tinha coisas mais importantes na cabeça, e, além disso, tinha pressa.
Subiu de dois saltos os degraus e abriu a porta. Era provável que Leslie o tivesse estado observando da janela do quarto, porque já estava descendo as escadas velozmente com a ansiedade grafite no rosto.
—Papai ainda não retornou! —vaiou, lançando um olhar para a sala de jantar, onde se encontrava Jane, alongando o café da manhã de forma evidente. —Por que quebrou a janela de seu escritório e depois saiu disparado daqui como quem leva a alma ao diabo? E por que estacionaste na frente da casa? Isso mamãe não vai gostar.
Bob não respondeu, mas sim cruzou o vestíbulo a grandes pernadas em direção ao escritório, fazendo um ruído surdo com os saltos das botas sobre o chão. Leslie se apressou a segui-lo e entrou no escritório ao mesmo tempo que ele ficava a examinar, de um em um, os papéis que havia sobre a mesa do Bob.
—Não acredito que Alex haja dito a verdade em relação a essa partida de pôquer — disse com um leve tremor nos lábios. —Chama-o outra vez, Nick. Que te diga onde está papai.
—Dentro de um minuto — murmurou seu irmão sem voltar o olhar. Nenhum dos papéis que havia no escritório era uma carta de poderes. Começou a abrir gavetas.
—Nick! —Leslie levantou a voz bruscamente. —Encontrar o papai é mais importante que revirar seu escritório!
Nick se deteve, respirou fundo e se ergueu.
—Leslie, querida, sente-se aí e guarda silêncio — lhe disse em um tom amável que, entretanto levava um pingo de aço. —Tenho que procurar um papel muito importante que talvez me tenha deixado papai. Estarei contigo em um minuto.
Leslie abriu a boca para dizer algo mais, mas seu irmão lhe dirigiu um olhar que a fez mudar de opinião. Em silêncio, com uma vaga expressão de perplexidade na cara, sentou-se, e Nick voltou para enfarranhar-se em sua busca.
Cinco minutos mais tarde, reclinou-se para trás com o amargo sabor da derrota na garganta. Não havia nenhuma carta. Aquilo não era lógico. Por que se tinha tomado Bob tanto trabalho em ensinar-lhe tudo, para logo partir sem lhe deixar os poderes? Tal como havia dito Alex, Bob era muito inteligente para não havê-lo pensado. Se o que pretendia era seguir estando ele à frente de tudo, por que se tinha incomodado em repartir a seu filho tão intensiva instrução? Talvez teve a intenção de entregar as rédeas ao Nick e logo mudou de idéia. Aquela era a única explicação alternativa que podia haver. Em tal caso, voltariam a ter notícias delas, dentro de uns dias como máximo, porque seus entendimentos financeiros eram muito complicados para deixá-los abandonados durante mais tempo.
Mas, como Nick havia dito ao Alex, não podia permitir o luxo de supor que alguém se faria acusação da situação. Não imaginava a seu pai desentendendo-se dos negócios, mas até aquela manhã tampouco tinha podido imaginar que fora capaz de abandoná-los a todos pelo Renée Smith. Tinha acontecido o impossível, de modo que, como podia confiar às cegas em qualquer outra coisa que sempre tinha dado como certa em seu pai? Sobre seus ombros pesava gravemente a responsabilidade em relação a sua mãe e sua irmã; não podia arriscar o bem-estar das duas.
Fez o gesto de ir agarrar o telefone, mas não estava na mesa. Recordou vagamente que o tinha atirado e voltou à vista para a janela, que agora estava coberta por umas tábuas, à espera de vidros novos. Levantou-se e saiu ao vestíbulo para usar o telefone que havia na mesa situada ao pé das escadas. Leslie foi atrás dele, ainda silenciosa, mas claramente ressentida por isso.
Primeiro chamou o Alex. Este respondeu ao primeiro toque.
—Não há carta — disse Nick laconicamente. —Veja o que pode fazer para me conseguir um poder notarial ou alguma outra coisa que proteja minha posição. —Um poder notarial era uma opção complicada, mas talvez se pudesse pulsar algumas teclas.
—Já me pus com isso — repôs Alex em voz baixa.
Continuando, Nick chamou a seu agente de bolsa. Deu-lhe instruções breves e explícitas. Se acontecesse o pior, necessitaria até o último centavo de efetivo que pudesse reunir.
Depois lhe ficava a parte mais difícil. Leslie o olhava fixamente com o alarme desenhado em seus grandes olhos claros.
—Passa algo mau, não é verdade? —perguntou.
Nick fez provisão de forças mentalmente e logo agarrou a mão de sua irmã.
—Vamos falar com mamãe — lhe disse.
Ela ia dizer algo, mas Nick moveu a cabeça em um gesto negativo.
—Só posso dizê-lo uma vez — disse em tom áspero.
Jane estava desfrutando de sua última xícara de chá e lendo as páginas de sociedade do jornal de Nashville. A Cidade tinha seu próprio semanário, no que ela aparecia mencionada de forma regular, mas o que verdadeiramente contava era sair no jornal de Nashville.
Levantou a vista quando Nick e Leslie entraram na sala onde tomava o café da manhã, e seu olhar se posou durante um instante nas mãos entrelaçadas de ambos. Mas não fez comentário algum a respeito, pois isso demonstraria um interesse pessoal e talvez convidasse a ser correspondido.
—Bom dia, Nick — saudou seu filho em um tom perfeitamente composto, como sempre.
Jane podia sentir um ódio violento por alguém, mas, essa pessoa jamais poderia distingui-lo pelo tom de sua voz, que nunca revelava calidez, afeto, raiva nem nenhuma outra emoção. Semelhante exibição seria vulgar, e Jane não permitia que nela nada caísse tão baixo. —Peço um pouco mais de chá?
—Não, obrigado, mãe. Preciso falar contigo e com a Leslie; ocorreu algo grave. —Notou que a mão de sua irmã tremia dentro da sua, e a apertou para tranqüilizá-la.
Jane deixou o jornal a um lado.
—Quer que falemos mais em privado? —perguntou, preocupada com o fato de que algum dos criados os ouvisse discutir questões pessoais.
—Não é necessário. —Nick aproximou uma cadeira a Leslie e depois se situou detrás dela com uma mão apoiada em seu ombro. Jane ia se sentir molesta pelos matizes sociais, pela vergonha, mas a dor de Leslie ia ser muito pior. —Não conheço nenhum modo de fazer isto mais fácil. Papai não deixou nenhuma nota nem nada parecido, mas pelo que parece se foi da cidade com Renée Smith. Desapareceram os dois.
Jane levou uma esbelta mão à garganta. Leslie permaneceu imóvel, sem respirar sequer.
—Estou segura de que não se levaria a uma mulher assim em uma viagem de negócios — disse Jane com serena certeza. — Imagine o efeito que causaria.
—Mãe... —Nick se interrompeu a si mesmo, contendo sua impaciência. —Não se foi em uma viagem de negócios. Papai e Renée Smith fugiram juntos. Não vai voltar.
Leslie deixou escapar um leve grito e tampou a boca com ambas as mãos para reprimir o ruído. O rosto do Jane perdeu a cor, mas seus movimentos foram precisos ao depositar a xícara de chá no centro do prato.
—Estou segura de que te equivoca querido. Seu pai não arriscaria sua posição social por...
—Pelo amor de Deus, mãe! —estourou Nick, cujo tênue controle saltou como um fio. —A papai pouco importa sua posição social. Importa a ti, não a ele!
—Nickolas, não é necessário ser vulgar, Nick fez chiar os dentes. Que típico era dela fazer ouvidos surdos a algo que lhe resultava desagradável e concentrar-se no corriqueiro.
—Papai se foi — disse, pondo uma deliberada ênfase em suas palavras. —Te deixou pela Renée. Fugiram-se juntos, e não vai voltar. Ainda não sabe ninguém, mas provavelmente amanhã pela manhã estará na boca de todo mundo.
Jane abriu os olhos ao ouvir a última frase, e o horror invadiu sua expressão ao compreender a humilhação que sofreria sua posição.
—Não — sussurrou. —Não seria capaz de me fazer algo assim.
—Já o tem feito.
Jane ficou em pé aturdida, sacudindo a cabeça a um lado e ao outro.
—De... De verdade partiu? —perguntou em um débil murmúrio. —Me deixou por essa... Essa... Incapaz de terminar a frase abandonou a habitação a toda pressa, quase fugindo.
Assim que Jane se foi, assim que deixou de estar ali para contemplar com gesto carrancudo cenas impróprias, Leslie se derrubou sobre a mesa e se inclinou para frente para afundar a cara no braço enquanto violentos soluços lhe surgiam da garganta e faziam tremer seu esbelto corpo. Quase tão furioso com Jane como o estava com o Bob, Nick se ajoelhou junto a sua irmã e a rodeou com os braços.
—Vai ser difícil —disse, —mas sairemos desta. Nos próximos dias vou estar muito ocupado em manter o controle de nossas finanças, mas estarei aqui se por acaso me necessita. —Não se atrevia a dizer a sua irmã que sobre eles se abatia o desastre econômico. —Eu sei que agora é muito doloroso, mas o superaremos.
—Odeio-lhe — soluçou Leslie com a voz amortecida pelo braço. —Nos deixou por essa... Essa puta! Espero que não volte nunca. Odeio-lhe, não quero voltar a lhe ver jamais!
Afastou-se bruscamente do Nick e atirou sua cadeira ao chão ao se separar da mesa. Ainda entre soluços, saiu correndo da sala, e Nick ouviu como subia as escadas chorando a lágrima viva.
Um momento depois se sentiu em toda a casa o golpe da porta de seu dormitório ao fechar-se.
Nick sentiu desejos de enterrar também o rosto entre as mãos. Tinha vontades de descarregar um murro sobre algo, preferivelmente o nariz de seu pai. Tinha vontades de gritar sua fúria aos quatro ventos. A situação já era bastante grave; por que tinha que piorá-la. Jane preocupando-se só pelo que diriam suas amizades? Pelo menos uma vez, por que não podia oferecer um pouco de apoio a sua filha? É que não via o muito que Leslie a necessitava naquele momento? Claro que nenhuma vez tinha apoiado a nenhum deles, assim, por que ia fazê-lo agora? A diferença do Bob, Jane pelo menos era constante.
Precisava beber algo, algo forte. Saiu da sala e retornou ao estudo para procurar a garrafa de uísque escocês que Bob sempre guardava no bar de atrás do escritório. Oriane, sua veterana governanta, estava subindo as escadas com um montão de toalhas nos braços e o olhou com curiosidade. Como não era surda, estava claro que tinha ouvido parte do revôo. Logo cresceriam como a espuma as especulações entre Oriane, seu marido Garron, que se encarregava do imóvel, e Delfina, a cozinheira. Terei que dizer-lhe é obvio, mas naquele momento não tinha forças para isso. Talvez depois de tomar aquele uísque.
Abriu o bar, tirou a garrafa e serviu um par de dedos do líquido ambarino em um copo. Sentiu na língua seu gosto amargo e picante ao tomar o primeiro sorvo, e depois tomou o resto com um firme e rápido giro de mão. Necessitava do efeito sedativo da bebida, não seu sabor.
Acabava de servir uma segunda taça quando perfurou o ar um uivo arrepiante que procedia do piso de acima, seguido da voz do Oriane que o chamava aos gritos, uma e outra vez.
Leslie. Nada mais ouvir o grito de Oriane, soube. Com o peito atendido pelo medo, saiu a toda pressa do estudo e subiu os degraus de três em três com suas largas e potentes pernas.
Oriane corria escada abaixo para ele com olhos de espanto.
—Cortou-se! OH, Meu Deus! OH, Meu Deus! Há sangue por toda parte...
Nick a empurrou a um lado e entrou como uma exalação no quarto de Leslie. Sua irmã não estava ali, mas viu a porta do banheiro aberta e se lançou sem duvidá-lo, só para deter-se congelado na soleira.
Leslie tinha decorado ela mesma seu quarto e seu banheiro com delicados tons rosa e branco pérola que lhes davam um aspecto absurdamente infantil. Normalmente, ao Nick recordavam ao algodão de açúcar, mas agora os ladrilhos rosa do piso estavam cobertas de escuras manchas de sangue. Leslie estava tranqüilamente sentada sobre a tampa do vaso de cor rosa, olhando pela janela com olhar vazio e as mãos delicadamente entrelaçadas sobre o colo.
O sangue saía brandamente a fervuras dos profundos cortes que tinha se feito em ambos os pulsos e lhe ensopava os joelhos antes de deslizar-se por suas pernas para acabar formando um atoleiro no chão.
—Sinto muito toda esta comoção — disse com voz débil e estranhamente distante. Não esperava que Oriane subisse aqui com toalhas limpas.
—Deus — gemeu Nick ao mesmo tempo que agarrava uma das toalhas que tinha deixado cair Oriane. Dobrou um joelho ao lado da Leslie e a agarrou pela mão esquerda.
—Maldita seja, Leslie, deveria te dar um par de açoites! —Envolveu-lhe a boneca em uma toalha e logo a atou com outra o mais forte que pôde.
—Me deixe em paz — sussurrou ela, tentando soltar o braço, mas já estava começando a debilitar-se de modo alarmante.
—Te cale! —gritou Nick, lhe agarrando a outra mão e repetindo a operação. —Maldita seja, como pudeste fazer algo tão idiota? —Aquilo, unido a tudo o que tinha passado aquele dia, era quase muito para ele. O medo e a raiva lhe alagavam o peito, cada vez com mais força, até que acreditou estar a ponto de afogar. — Te paraste a pensar em alguém mais que não seja você? Não pensaste que eu podia necessitar de sua ajuda, que isto é para os outros tão duro como para ti?
Falava com os dentes apertados enquanto tomava a sua irmã nos braços e passava a toda pressa junto ao Jane, que estava simplesmente de pé no corredor com uma expressão de atordoa-mento em seu pálido semblante, e punha-se a correr escada abaixo, deixando atrás ao Oriane e a Delfina, abraçadas uma à outra no patamar.
—Chama à clínica e diga ao doutor Bogarde que vamos para lá — ordenou ao mesmo tempo que saía da casa pela porta principal e se dirigia ao Cadilac que estava ali estacionado.
—Vou manchar o teu carro de sangue — protestou Leslie fracamente.
—Já disse para te calar — soltou Nick. —Não fale a não ser que tenha algo sensato que dizer.
Provavelmente, deveria ser mais sensível com alguém que acabava de tentar suicidar-se, mas aquela era sua irmã, e maldito fora se lhe permitia tirá-la vida. Estava furioso, e logo mal podia controlar tal estado. Era como se sua vida tivesse ficado destroçada nas últimas horas, e estava farto de que as pessoas às que amava cometessem idiotices.
Não se incomodou em abrir a porta do Cadilac, mas sim simplesmente se inclinou, depositou a Leslie no assento e depois passou por cima dela para deixar cair no posto do condutor.
Ligou o carro, soltou a embreagem e arrancou forçando o motor até seu limite e deixando-os pneus no asfalto. Leslie se desmoronou sobre a porta de seu lado com os olhos fechados.
Nick lhe dirigiu um olhar de pânico, mas não se arriscou a tomar o tempo de parar. Mostrava uma palidez mortal, e sua boca estava adquirindo uma leve tintura azulada. O sangue já estava gotejando das toalhas, com um vermelho intenso que contrastava com o branco da felpa. Tinha visto as feridas; não eram cortes superficiais, gestos que alguém faz, mas bem para assustar e chamar a atenção que para pôr sua vida em perigo. Não, Leslie o tinha feito muito a sério. Sua irmã podia morrer porque seu pai não podia resistir a ir atrás daquela puta ruiva.
Cobriu os vinte e cinco quilômetros que havia até a clínica em menos de dez minutos. O estacionamento estava cheio, mas foi até a entrada posterior do edifício de tijolos de uma só andar e depois saltou para tirar a Leslie do carro levando-a nos braços. A moça estava totalmente inerte, com a cabeça caída para o ombro de Nick, e este sentiu que lhe enchiam os olhos de lágrimas.
Abriu-se a porta e por ela saiu rapidamente o doutor Bogarde, seguido por suas duas enfermeiras.
—Leva à primeira sala da direita — disse, e Nick torceu para um lado para atravessar o vestíbulo. Sadie Lee Fanchier, a enfermeira de mais autoridade, sustentou a porta da sala de urgências e Nick entrou nela com a Leslie e a depositou sobre a estreita mesa de vinil coberta com um lençol, que rangeu ao acusar o peso.
Sadie Lee estava já aplicando um distintivo a Leslie para tomar a pressão arterial enquanto o doutor Bogarde desenredava os primeiros auxílios que tinha praticado Nick. Bombeou ar rapidamente e escutou pelo estetoscópio apoiado na cara interna do cotovelo da Leslie.
Sete e meio, por quatro.
—Lhe agarre uma veia — ordenou o doutor Bogarde. — Glicose. A outra enfermeira, Kitty, apressou-se a seguir suas instruções.
O doutor Bogarde tinha o olhar fixo nos pulsos de Leslie enquanto trabalhava.
—Necessita de sangue — disse. —E rápido. Temos que levá-la ao hospital do Baton Rouge, aqui não posso fazê-lo. E também necessitará um cirurgião cardiovascular que lhe repare as veias. Eu posso estabilizá-la, Nick, mas não posso fazer nada mais.
Kitty pendurou a bolsa de glicose do cabide metálico e introduziu habilmente a agulha intravenosa no braço da Leslie.
—Não temos tempo de fazer vir a uma ambulância até aqui — prosseguiu o médico. —A levaremos nós mesmos, em meu carro. Está bem para conduzir? —perguntou ao Nick lhe lançando um olhar penetrante.
—Sim. —A resposta foi plaina, inequívoca.
O doutor Bogarde deu uns leves golpezinhos nas mãos de Leslie.
—Está bem, deteve-se a hemorragia. Kitty necessito de um par de mantas. Ponha uma no assento traseiro de meu carro e com a outra envolve a Leslie. Nick agarra-a nos braços e tome cuidado com o conta-gotas. Sadie Lee chama o hospital e lhes diga que estamos a caminho, e logo chama o escritório do xerife para que limpem um pouco as estradas.
Nick tomou nos braços a sua irmã com suavidade. O doutor Bogarde agarrou a bolsa de glicose em uma mão e sua maleta na outra, e correu ao lado do Nick enquanto este levava a Leslie em direção ao Chrysler de quatro portas propriedade do médico. Bogarde subiu primeiro, e depois ajudou ao Nick a colocar com cuidado a Leslie sobre o assento de trás. Pendurou a bolsa de glicose do cabide para trajes do interior do veículo e se ajoelhou no chão.
—Não nos faça dar muitos pulos — instruiu ao Nick ao mesmo tempo que este deslizava seu longo corpo atrás do volante. O doutor Bogarde media apenas um e setenta e oito, de maneira que o assento estava tão perto do volante que Nick o roçava com o peito. Mas não podia empurrar o assento para trás, com o médico de cócoras no chão. —Mantém uma velocidade constante, assim faremos um melhor tempo. E acende as luzes de emergência.
Ao Nick o assaltou um pensamento violento a respeito dos condutores nos assentos de trás, mas o guardou para si. Obedecendo as ordens, saiu da clínica mais acalmado do que tinha chegado, embora seu instinto lhe gritava que pisasse a fundo o pedal do acelerador e não levantasse o pé. Tão somente o fato de saber que aquele espaçoso sedan, construído mais para a comodidade que para correr na estrada, provavelmente se sairia de uma curva se o forçava igual a fazia com o Cadilac o fez manter uma velocidade razoável.
—Como ocorreu isto? —quis saber o doutor Bogarde.
Nick o olhou pelo espelho retrovisor. O médico era um homem pequeno e pulcro de ardilosos olhos azuis. Apesar de seu sobrenome, não era imigrante francês; devia andar perto dos cinqüenta e possuía um cabelo loiro de cor areia que começava a encanecer. Nick o conhecia de toda a vida. Jane nunca tinha ido a ele, pois preferia um médico urbano de Nashville outros da família iam vê-lo por tudo, do típico arranhão na infância até as gripes ou o braço que Nick quebrou fazendo esporte quando tinha quinze anos.
Nick não queria contar-lhe tudo e preferiu guardar os detalhes em segredo um pouco mais, até que seu agente de bolsa tivesse tido tempo de vender e Alex tivesse levado a cabo suas manobras legais, mas não lhe ia ser possível ocultar do toda a notícia. Deu ao doutor Bogarde o dado central, o único que importava:
—Papai e mamãe se separaram. Leslie... —Titubeou.
O doutor Bogarde lançou um suspiro.
—Compreendo. —Todo mundo sabia quão unida estava Leslie ao Bob.
Nick se concentrou em conduzir. A suspensão do Chrysler rebatia as desigualdades da estrada e os pneus chiavam sobre o pavimento. Voltou a perceber a sensação de irrealidade que tinha experimentado anteriormente. O calor do sol se filtrava pela janela lhe esquentando a perna coberta pela calça e os altos pinheiros foram passando pelo lado a toda velocidade. O céu era de um azul puro e intenso. Estavam em pleno verão, e tudo lhe era tão familiar como seu próprio rosto. Aquilo era precisamente estranho: Como podia seguir tudo igual, quando seu mundo acabava de derrubar-se a seu redor?
A suas costas, o doutor Bogarde comprovou de novo o pulso e a pressão arterial da Leslie.
—Nick — Disse em voz baixa. —É melhor que te dê pressa.

Eram às dez e meia da noite quando Nick e o doutor Bogarde saíam do hospital do Baton Rouge. Ao Nick ardiam os olhos de cansaço, e estava intumescido por causa da montanha russa emocional que tinha vivido aquele dia. Leslie tinha sido por fim estabilizada e intervinda, e estava dormindo sob sedativos. Tinha sofrido uma parada cardíaca a pouco metros de chegar ao hospital, mas a equipe de urgências conseguiu reanimar seu coração quase imediatamente. Puseram-lhe quatro unidades de sangue antes de operá-la, e outras duas mais durante a intervenção. O médico que se encarregou da tarefa de reparação opinava que não existiam danos permanentes na mão direita, mas na esquerda se havia cortado um par de tendões e talvez não recuperasse do todo a mobilidade daquela mão.
O único que importava ao Nick era que ela ia sobreviver. Despertou-se durante breves instantes quando a mudavam da sala de recuperação à habitação privada que lhe tinha conseguido, e tinha murmurado meio atordoada:
—Sinto muito, Nick — ao vê-lo.
Não sabia se com isso tinha querido dizer que lamentava ter tentado suicidar-se, não havê-lo conseguido ou haver causado a ele tanta preocupação. Escolheu acreditar que sua irmã se referia à primeira possibilidade, porque não podia suportar a idéia de que pudesse tentar de novo.
—Eu dirijo dessa vez — disse o doutor Bogarde, levantando a mão para lhe dar uma palmada no ombro. — Tem um aspecto horrível.
—É que me sinto horrível — resmungou Nick. —Necessito de um café.
Alegrou-se de que dirigisse o doutor Bogarde. Tinha a sensação de que seu cérebro era um terreno baldio; provavelmente não seria seguro que se encarregasse ele de dirigir, e, além disso, o carro era do médico. Os joelhos voltariam a juntar-se o com o queixo, mas pelo menos teria espaço para respirar.
—Eu posso te solucionar isso. Há um Mcdonalds a umas poucas quadras daqui.
Nick se rendeu ao introduzir-se no veículo, e deu graças a Deus de que o Chrysler tivesse um banco acolchoado. Se não fosse assim, teria se enchido de manchas roxas.
Quinze minutos mais tarde, com um grande copo de plástico cheio de um fumegante café na mão, contemplava como passavam as luzes do tráfego do Baton Rouge. Alguns dos anos mais felizes de sua vida os tinha passado ali, na LSU. Tinha percorrido a cidade inteira, um moço indômito, cheio de energia, perpetuamente brincalhão, à caça de um pouco de ação, e a havia em abundância. Ninguém sabia divertir-se melhor que alguém de ascendência francesa, e Baton Rouge estava cheio de pessoas como ele. Aqueles quatro anos os tinha passado em grande.
Não fazia tanto tempo que tinha voltado para casa para sempre, só tinham transcorrido um par de meses, mas a ele lhe desejava muito uma vida inteira. Aquele dia de pesadelo, interminável, tinha acabado definitivamente com aquele rapaz tão fogoso, tinha marcado uma nítida linha de separação entre as duas partes de sua vida. Nick tinha ido crescendo pouco a pouco, como a maioria das pessoas, mas hoje tinham derrubado sobre seus ombros toda a responsabilidade da vida adulta. Seus ombros eram bastantes largos para suportar a carga, de maneira que fez provisão de forças e fez o que teria que fazer. Se o homem que emergiu do naufrágio era mais sério e mais desumano que o que se levantou da cama aquela manhã... Bom, aquele era o preço da sobrevivência, e o pagaria com gosto.
Mais problemas o aguardavam em casa. Naquelas circunstâncias, a maioria das mães teriam tido que ser afastadas do lado da cama de sua filha com uma barra de aço, mas Jane não. Nem sequer tinha podido falar com ela por telefone. Em lugar disso tinha falado com Oriane, a qual lhe disse que a senhora Jane se trancou em seu quarto e não queria sair.
Obedecendo a ordens delas, Oriane tinha dado a Jane à informação de que Leslie ficaria bem aos gritos do outro lado da porta fechada com chave.
Pelo menos não tinha medo de que Jane tentasse a mesma cena que Leslie. Conhecia muito bem a sua mãe; estava muito centrada em si mesmo para causar-se dano.
Apesar do café, venceu-o o sono de caminho para casa, e despertou só quando o doutor Bogarde deteve o automóvel frente a ente a ala traseira da clínica.
—Poderá dormir esta noite? —perguntou o doutor Bogarde. — Se o necessitar posso te dar algo.
Nick deixou escapar uma breve gargalhada.
—Meu problema será permanecer acordado até que chegue em casa.
—Nesse caso, talvez fosse melhor que dormisse na clínica.
—Obrigado, doutor, mas se o hospital me necessitar, chamará em casa.
—Está bem. Então tome cuidado.
—Terei-o. —Nick passou a perna por cima da porta do cadilac e se deslizou até o assento. Sim, sem dúvida ia se impregnar o traseiro. O frescor da umidade o fez estremecer-se.
Deixou a janela abaixada para que o ar o golpeasse na cara. Os aromas da noite eram doces e limpos, mais afrescos que quando estavam reaquecidos pelo sol. Ao deixar atrás o hospital, fechou-se sobre ele a escuridão do campo, protetora e balsâmica.
Entretanto, um oásis de luminosidade perturbou a negrume. Jimmy Jo's, o motel local, seguia com as luzes acesas. O estacionamento de cascalho estava abarrotado de carros e caminhonetes, o rótulo de néon piscava dando interminavelmente as boas-vindas e as paredes vibravam por causa da música. Quando se aproximou, perfurando a noite com o cadilac negro, saiu do estacionamento uma desvencilhada caminhonete que se cruzou em seu caminho fazendo chiar os pneus contra o chão.
Nick cravou o pedal do freio e o Cadilac se deteve derrapando.
A caminhonete patinou para um lado e esteve a ponto de capotar, mas conseguiu endireitar-se. Os faróis do Nick iluminaram os rostos dos ocupantes, que lançavam gargalhadas enquanto o que ocupava o assento do passageiro, agitando uma garrafa na mão, tirava meio corpo fora e lhe gritava algo.
Nick ficou petrificado. Não entendeu o que lhe tinham gritado, mas não tinha importância. O que importava era que os ocupantes eram Russ e James Smith e que levavam a mesma direção que ele, o imóvel dos Carters.
Os filhos de Renée não se foram. Ainda estavam em sua propriedade.
Notou como ia crescendo a cólera; uma cólera fria, mas poderosa. Com estranho distanciamento, sentiu-a vir, nascendo dos pés e ascendendo pouco a pouco, como se fora transmutando as células de todo seu corpo. Alcançou-lhe o ventre e lhe esticou os músculos, e a seguir lhe encheu o peito antes de estender-se para cima para explodir em seu cérebro. Foi quase um alívio, já que limpou a fadiga e as névoas de sua mente e deixou os processos mentais frescos e precisos e todos os sistemas preparados para o máximo rendimento.
Fez girar o Cadilac e enfiou de volta para o Prescott. Ao xerife Deese lhe sentaria muito mal que lhe despertassem a àquelas horas da noite, mas Nick era um Carter, e o xerife faria o que lhe dissesse. Diabos, até desfrutaria fazendo-o. Livrar-se dos Smith reduziria na metade a taxa de delinqüência da zona.

Bella não tinha conseguido relaxar-se todo o dia. Tinha estado todo o tempo quase doente pela sensação de perda e desastre, incapaz de comer nada. Scottie, que se deu conta de seu estado de ânimo, tinha estado temeroso e choramingava constantemente obstinado a suas pernas e interrompendo-a enquanto ela tratava mecanicamente de cumprir com suas tarefas.
Aquela manhã, depois de que Nick partisse, tinha começado a fazer a bagagem, aturdida, mas Amos lhe havia dado uma bofetada e lhe tinha gritado que não fosse idiota. Ao melhor Renée permanecia fora um par de dias, mas retornaria, e o velho Carter não permitiria que aquele jovem filho da mãe os jogasse de seu lar.
Inclusive em sua desolação, Bella se perguntava por que seu pai chamava velho ao Bob, quando este tinha um ano menos que ele.
Ao cabo de um momento, Amos tinha pego a caminhonete e se foi a tomar uma taça. Assim que se perdeu de vista, Jodie se meteu no dormitório e começou a rebuscar no armário de Renée.
Bella seguiu a sua irmã e a contemplou atônita enquanto ela começava a arrojar objetos sobre a cama.
—O que está fazendo?
—Mamãe já não vai necessitar de tudo isto — respondeu Jodie alegremente. Bob lhe comprará roupa nova. Por que acha que não se levou isto consigo? Mas eu posso usá-lo. Ela nunca me deixava me pôr nenhuma de suas coisas. Aquilo último o disse com um pingo de amargura. Sustentou em alto um vestido amarelo com o pescoço bordado de lentejoulas. Ao Renée tinha assentado maravilhosamente, com sua cabeleira ruiva escura, mas fazia um efeito horrível em contraste com os cachos de cabelo cor cenoura do Jodie. —A semana passada tive uma entrevista passional com o Lane Foster e quis me pôr este vestido, mas mamãe não me deixou —disse isso ressentidamente. —Tive que usar meu velho vestido azul, que já me tinha isso visto.
—Não pegue a roupa de mamãe — protestou Bella com os olhos cheios de lágrimas.
Jodie lhe dirigiu um olhar de exasperação.
—Por que não? Já não vai necessitar.
—Papai há dito que retornará.
Jodie soltou uma gargalhada.
—Papai não é capaz de distinguir seu traseiro de um buraco no chão. —Nick tinha razão. Por que diabos vai voltar? Não, embora Bob se arrependa e volte correndo para casa com essa pedra de gelo com o que está casado, mamãe obterá dele o suficiente para estar bonita durante muito tempo.
—Então teremos que partir — disse Bella, e uma lágrima salgada lhe escorregou pela bochecha e ficou na comissura da boca. —Deveríamos estar fazendo as malas.
Jodie lhe pôs uma mão no ombro.
—Irmãzinha, é muito inocente para seu próprio bem. Nick parecia uma fúria, mas de todos os modos, não vai fazer nada. Só se estava desafogando. Acredito que vou vê-lo e talvez consiga o mesmo que tem seu pai com mamãe. —Passou a língua pelos lábios e seu rosto adotou uma expressão faminta. —Sempre tive curiosidade em saber se o que tem dentro das calças é tão grande como dizem.
Bella se separou de um salto, sentindo a pontada de ciúmes em meio de seu abatimento. Jodie não tinha cabeça para compreender que uma bola de neve teria mais possibilidades de sobreviver em uma avalanche um quatro de julho no Equador que ela de atrair ao Nick, mas quanto invejava Bella a audácia de sua irmã para tentá-lo. Tratou de imaginar-se de quanta força devia possuir a necessária segurança em uma mesma para aproximar-se de um homem e estar segura de que ele a acharia atrativa. Mesmo que Nick rechaçasse a Jodie, isso não faria racho em seu ego, porque havia outros muitos meninos e homens que ofegavam por ela. Simplesmente faria que Nick fosse uma provocação maior.
Mas Bella tinha visto o frio desprezo nos olhos do Nick aquela manhã, ao examinar o barraco e seus habitantes, e se havia sentido, sacudida pela vergonha. Tinha sentido desejos de dizer: «Eu não sou assim»; tinha querido que ele a olhasse com admiração. Mas é que era assim, no que ao Nick concernia, por viver naquela miséria.
Cantarolando alegremente, Jodie se levou o estridente arco íris que formavam as roupas do Renée à habitação posterior para provar-lhe e ficar uns alfinetes no talhe, porque Renée tinha mais peito.
Contendo com muita dificuldade os soluços, Bella tomou ao Scottie na mão e o levou para brincar lá fora. Sentou-se em um tronco com a cara entre as mãos enquanto o menino empurrava seus carrinhos pela terra. Normalmente Scottie era feliz fazendo aquilo durante todo o dia, mas ao cabo de uma hora voltou para Bella e se enroscou junto a suas pernas, e logo ficou adormecido. Acariciou-lhe o cabelo, aterrada pela ligeira tintura azulada de seus lábios.
Balançou-se para frente e para trás no tronco, com o olhar fixo e escurecido pelo abatimento.
Mamãe tinha partido e Scottie estava morrendo. Não havia maneira de saber quanto ia durar, mas não acreditava que fora mais de um ano. Apesar do penoso de sua situação anterior, pelo menos existia certa segurança, porque as coisas seguiam tal qual um dia atrás do outro e sabia o que podia esperar. Agora todo se derrubou, e estava aterrorizada. Tinha aprendido a sair adiante, a dirigir a papai e a seus irmãos, mas agora nada acontecia segundo o plano e se sentia impotente. Odiava aquela sensação, odiava-a com tal ferocidade que lhe formava um nó no estômago.
Maldita seja mamãe, pensou com rebeldia. E maldito seja Bob Carter. O único em que pensavam era em si mesmos, não em suas famílias nem no transtorno que foram ocasionar.
Fazia muito tempo que não se sentia como uma menina. Seus frágeis ombros vinham suportando a responsabilidade desde muito nova, e isso tinha dado a seus olhos uma maturidade solene que se chocava com sua juventude, mas naquele momento acusou profundamente a falta de anos. Era muito jovem para fazer algo; não podia agarrar o Scottie e partir dali, porque era muito jovem para trabalhar e manter aos dois; era muito jovem inclusive para viver sozinha, segundo a lei. Estava desamparada; sua vida estava totalmente controlada pelo capricho dos adultos que a rodeavam.
Nem sequer podia escapar, porque não poderia levar-se ao Scottie. Ninguém cuidaria dele, e o menino era quase tão necessitado como um bebê. Tinha que ficar.
Assim que se passou a tarde sentada no tronco vendo passar as horas, muito triste para entrar na moradia a ocupar-se de seus trabalhos habituais. Tinha a sensação de estar em uma guilhotina aguardando que a lâmina caísse, e conforme foi aproximando-a noite cresceu e aumentou a tensão até lhe pôr todos os nervos de ponta, até que lhe entraram vontades de gritar para fazer pedacinhos aquela lenta quietude. Scottie tinha despertado e estava jogando junto a suas pernas, como se tivesse medo de afastar-se muito de sua irmã.
Mas chegou a noite, e a lâmina não caiu. Scottie tinha fome e a puxava para que entrassem na casa. A contra gosto, Bella abandonou seu lugar no tronco e levou a menino para dentro no preciso instante em que Russ e James saíam para uma de suas farras noturnas. Jodie vestiu o vestido amarelo que tanto cobiçava e se foi também.
Talvez Jodie estivesse certa, pensou Bella. Ao melhor Nick só se desafogou um pouco e não havia dito a sério o que havia dito. Ao melhor Bob se pôs em contato com sua família com o passar do dia e tinha acalmado a situação. Talvez tivesse mudado de idéia sobre o fato de partir e tivesse negado ter a Renée consigo. Algo era possível.
Entretanto, de todas formas não esperava que Renée voltasse. E sem Renée, embora Bob retornasse com sua família, não teria motivo algum para lhes permitir seguir naquele barraco. Não era grande coisa, mas ao menos era um teto, e grátis. Não, de nada servia albergar esperanças; terei que utilizar o sentido comum. De um modo ou de outro, possivelmente não imediatamente, mas sim muito em breve, iriam ter que partir. Mas Bella conhecia seu pai e sabia que ele não moveria um dedo para ir-se até que se visse obrigado. Espremeria dos Carter até o último minuto grátis que fora possível.
Deu de jantar ao Scottie e o banhou, e ato seguido o meteu na cama. Pela segunda vez consecutiva dispunha de uma noite de bendita intimidade, e se apressou a dar um banho a ela também e vestir a camisola. Mas quando tirou seu prezado livro não pôde concentrar-se em ler. A cena que tinha tido lugar aquela manhã com o Nick lhe vinha uma e outra vez à mente, igual a um filme de vídeo que não deixasse de reproduzir-se em sua cabeça. Cada vez que pensava naquele olhar de desprezo do Nick, a dor a golpeava no peito até quase não deixá-la respirar. Rodou para um lado e afundou a cara no travesseiro, lutando contra as lágrimas. Ela o amava muito, e ele a desprezava porque era uma Smith.
Ao final ficou dormindo, exausta pela inquietação da noite anterior e o trauma sofrido aquele dia. Sempre tinha o sono leve e permanecia alerta como um gato despertava e repassava mentalmente a lista cada vez que chegava a casa um membro da família. Papai foi o primeiro a aparecer. Vinha bêbado, naturalmente, depois de ter começado tão cedo, mas por uma vez não bramou pedindo um jantar que de todos os modos não ia consumir. Bella escutou os tombos que ia dando em seu caminho ao dormitório. Momentos mais tarde lhe chegaram os familiares e trabalhosos roncos.
Jodie chegou a casa por volta das onze, de mau humor e fazendo panelas. A noite não devia lhe haver saído como ela pensava, disse-se Bella, mas permaneceu estendida em silêncio em sua cama e não perguntou. Jodie tirou o vestido amarelo, fez uma bola com ele e o jogou em um canto. Depois se tombou em sua cama e deu as costas a Bella.
Era cedo para todos. Os meninos chegaram não muito mais tarde, rindo e armando bula, e, como de costume, despertaram ao Scottie. Bella não se levantou, e logo voltou a reinar o silêncio.
Já estavam todos em casa, exceto mamãe. Bella chorou em silêncio secando as lágrimas com o lençol, e em seguida ficou adormecida outra vez.
Um enorme estrondo a fez despertar de repente, aterrada e confusa. Um feixe de luz brilhante a cegou e uma mão arruda a tirou da cama. Bella gritou e tratou de escapar daquela garra que o fazia dano no braço, tratou de resistir fazendo força, mas quem quer que fosse a elevou do chão de um puxão como se não pesasse mais que um menino pequeno e literalmente a arrastou pela moradia. Por cima de seus próprios gritos de terror ouviu os gritos do Scottie e as vozes de seu pai e dos meninos amaldiçoando e vociferando, entre os soluços do Jodie.
No pátio havia um semicírculo de luzes brilhantes e penetrantes, Bella teve uma impressão imprecisa de um montão de gente que se movia para frente e para trás. O homem que segurava a ela abriu de uma patada a porta de ralo e a empurrou ao exterior. Tropeçou nos desvencilhados degraus e foi cair de bruços no chão, com a camisola subida até as coxas.
As pedras e o cascalho lhe rasgaram a pele das palmas e joelhos e lhe fizeram uma raspadura na testa.
—Vêem aqui — disse alguém. —Traz o pirralho.
Scottie foi depositado sem nenhum olhar junto ao Bella, gritando histérico e com seus redondos olhos azuis fixos e aterrorizados. Bella conseguiu adotar a posição de sentada, cobriu-se as pernas com a camisola e refugiou ao Scottie em seus braços.
Começaram a voar coisas pelo ar, que se estrelavam e caíam a seu redor. Viu Amos agarrado ao marco da porta enquanto dois homens de uniforme marrom o tiravam arrastado da casa. Agentes, pensou Bella com uma sensação de vertigem. O que estavam fazendo ali? A não ser que tivessem pego seu pai ou aos meninos roubando algo. Enquanto contemplava a cena, um dos agentes propiciou um golpe a Amos nos dedos com sua lanterna. Amos lançou um alarido e soltou o marco da porta, e os homens o levaram até o pátio.
Uma cadeira saiu voando pela porta, e Bella a esquivou tornando-se para um lado. Foi dar contra o chão justo onde estava ela antes e estalou feita pedaços. Meio reptando, com o Scottie agarrado em seu pescoço e entorpecendo seus movimentos, lutou por procurar refúgio na velha caminhonete de seu pai, onde se escondeu contra o pneu dianteiro.
Contemplou aturdida aquela cena de pesadelo, tentando lhe encontrar algum sentido. Pelas janelas saíam coisas de todo tipo, roupas, pratos e caçarolas. Os pratos eram de plástico e armavam um ruído tremendo ao aterrissar. Alguém esvaziou uma gaveta cheia de faqueiro por uma janela, e seu conteúdo de aço inoxidável barato resplandeceu sob os faróis dos carros patrulha.
—Esvaziem tudo — ouviu que rugia uma voz grave. —Não quero que fique nada dentro.
Nick!
Ficou petrificada ao reconhecer aquela amada voz, de cócoras no chão e estreitando o Scottie contra si em um gesto protetor. Descobriu-o quase imediatamente, com sua figura alta e poderosa, de pé e cruzado de braços, ao lado do xerife.
—Não tem direito a nos fazer isto! —gritava Amos, tentando agarrar ao Nick pelo braço. Este o tirou de cima sem mais esforço como se tratasse de um pirralho molesto. —Não pode nos deixar atirados em plena noite! O que vai ser de meus filhos, de meu pobre filho atrasado? É que não tem sentimentos, para tratar assim a um menino pequeno e necessitado?
—Disse-te que lhes queria fora daqui antes de que se fizesse de noite, e o disse a sério —replicou Nick. —Recolham o que quiserem levar, porque dentro de meia hora vou tocar fogo ao que fique.
—Minha roupa! —exclamou Jodie saltando do lugar onde se havia posto a salvo, entre dois carros.
Começou a percorrer frenética tudo o equipamento esparramados, agarrando objetos e as desprezando de novo ao comprovar que pertenciam a outra pessoa. As que eram suas as jogava ao ombro.
Bella se incorporou com dificuldade levando ao Scottie ainda obstinado a ela, com uma força nascida do desespero. As posses da família provavelmente não seriam a não ser lixo para o Nick, mas era tudo que tinham. Conseguiu afrouxar as mãos do Scottie o suficiente para agachar-se a recolher umas quantas objetos emaranhados, as quais derrubou na parte traseira da caminhonete de Amos. Não sabia o que pertencia a quem, mas não importava; tinha que salvar tudo o que pudesse.
Scottie seguia grudado a ela como um marisco, decidido a não soltar-se. Com aquele estorvo, Bella, agarrou a Amos pelo braço e o sacudiu.
—Não fique aí! —gritou com urgência. —Me Ajude a colocar nossas coisas na caminhonete!
Ele reagiu afastando-a de um empurrão que a lançou pelo chão.
—Não me diga o que tenho que fazer sua estúpida!
Bella voltou a incorporar-se de um salto, sem notar sequer os novos machucados e os arranhões, anestesiada pela urgência. Os meninos, ainda mais bêbados que Amos, moviam-se sem rumo fixo dando tombos e soltando juramentos. Os agentes tinham terminado de esvaziar o barraco e permaneciam de pé, contemplando o espetáculo.
—Jodie, me ajude! —Bella agarrou a sua irmã quando esta passava furiosa a seu lado, chorando porque não encontrava sua roupa. —Pega tudo o que puder o mais rápido que possa. Já o ordenaremos depois. Recolhe toda a roupa, e assim saberá que a tua está também aí dentro.
—Foi o único argumento que lhe ocorreu para obter a colaboração de Jodie.
As duas moças começaram a mover-se a toda pressa pelo pátio, recolhendo todos os objetos com que se topavam. Bella trabalhou mais que nunca em sua vida, dobrando seu esbelto corpo uma e outra vez de um lado para outro, tão depressa que Scottie não podia segui-la. Ia atrás dela soluçando amargamente, e se agarrava a suas saias com suas mãozinhas gordinhas cada vez que a tinha a seu alcance.
Bella sentia a mente intumescida. Não se permitiu a si mesmo pensar, não podia pensar. Movia-se de maneira automática, e inclusive não se deu conta de que se tinha feito um corte na mão com um recipiente quebrado. Mas um dos agentes sim o advertiu, e lhe disse em tom áspero:
—Ei moça, está sangrando — e lhe envolveu a mão em seu lenço. Agradeceu-lhe sem saber o que dizia.
Era muito inocente e estava muito aturdida para dar-se conta de que os faróis dos carros atravessavam o magro tecido de sua camisola revelando a silhueta de seu corpo juvenil, suas esbeltas coxas e seus seios altos e graciosos. Ela se agachava e se levantava, mostrando uma parte diferente de seu corpo com cada mudança de postura, esticando o tecido da camisola sobre o peito e revelando a suave protuberância do mamilo, a vez seguinte ressaltando a curva arredondada de uma nádega. Só tinha quatorze anos, mas sob aquela luz dura e artificial, com sua longa e grossa cabeleira flutuando sobre os ombros semelhante a uma chama escura e entre as sombras que destacavam o ângulo de suas altas maçãs do rosto e obscureciam seus olhos, não se apreciava sua idade.
O que se apreciava era seu extraordinário parecido com o Renée Smith, uma mulher que não tinha mais que cruzar uma habitação para provocar maior ou menor grau de excitação na maioria dos homens presentes. A sensualidade de Renée era sedutora e vibrante, um autêntico farol para os instintos masculinos. Quando os homens olhavam a Bella, não era a ela a quem viam, a não ser a sua mãe.
Nick permanecia silencioso, observando o que ocorria. Ainda sentia raiva, uma raiva fria e voraz, concentrada. Invadia-o uma sensação de asco ao ver os Smith, pai e filhos, perambulando de um lado para outro, amaldiçoando e proferindo selvagens ameaças. Mas estando ali o xerife e seus ajudantes, não fariam outra coisa que fechar o bico, de modo que Nick não fez conta. Amos se tinha liberado pelos cabelos quando empurrou ao chão a sua filha pequena; Nick fechou com força os punhos, mas ao ver que a moça se levantava, aparentemente sem ter sofrido dano algum, decidiu conter-se.
As duas moças corriam de um lado para outro, tentando sem descanso recolher os objetos mais necessários. Os meninos desafogavam nelas suas estúpidas e cruéis frustrações, lhes arrancando as coisas das mãos e as atirando ao chão, e proclamando em voz alta que nenhum filho de puta ia tirá-los de sua casa e que não perdessem o tempo agarrando coisas porque não iriam partir a nenhuma parte, maldita fora. A irmã maior, Jodie, rogava-lhes que as ajudassem, mas suas bravatas de bêbado afogavam todo esforço que ela pudesse fazer.
A irmã pequena não desperdiçava o tempo tratando de raciocinar com eles, mas sim se limitava a mover-se em silêncio e tentava pôr ordem no caos em que apesar a que o menino se agarrava a ela constantemente. Apesar de si mesmo, Nick caiu na conta de que seu olhar a buscava continuamente e de que se sentia fascinado de maneira involuntária pelo contorno feminino de seu corpo sob aquela camisola quase transparente. O próprio silêncio da jovem chamava a atenção, e quando Nick lançou um olhar a seu redor, descobriu que a maioria dos agentes também a estavam observando.
Havia nela uma estranha maturidade, e um jogo das luzes lhe causou a estranha sensação de estar vendo a Renée em vez da sua filha. Aquela puta lhe tinha arrebatado a seu pai, o qual tinha feito que sua mãe se retraísse mentalmente e quase lhe havia custado à vida de sua irmã, e ali a tinha de novo, tentando aos homens encarnada em sua filha.
Jodie era mais voluptuosa, mas também era ruidosa em troca. A longa cabeleira ruiva de Bella se balançava sobre o brilho perolado de seus ombros nus sob as alças da camisola.
Parecia maior do que era, e também um tanto irreal, uma encarnação de sua mãe movendo-se em silêncio através da noite, uma dança carnal a cada movimento.
Sem querer, Nick notou que sentiu que estava tendo uma ereção e sentiu asco de si mesmo. Olhou aos agentes que o rodeavam e viu a mesma reação refletida em seus olhos, um desejo animal que deveria envergonhá-los, por ir dirigido a uma moça tão jovem.
Deus, ele não era melhor que seu pai. Não fazia falta mais que cheirar uma mulher da família dos Smith, e ficava como um potro selvagem no cio, duro e disposto. Leslie tinha estado a ponto de morrer por causa de Renée Smith, e ali estava ele, contemplando à filha de Renée com uma ereção tremenda dentro das calças.
A jovem avançou para ele levando um fardo de roupa. Não, não vinha para ele, a não ser para a caminhonete que estava a suas costas. Seus olhos se posaram nele por espaço de um instante com uma expressão sombria e misteriosa. Lhe acelerou o pulso, e aquela visão fez migalhas o tênue controle de seu temperamento. Os acontecimentos daquele dia se acumularam em sua cabeça e atacou com uma ferocidade devastadora, desejando que os Smith sofressem tanto como tinha sofrido ele.
—É lixo — disse com voz dura e profunda quando a moça esteve a sua altura. Ela se deteve, petrificada no lugar, com o pequeno ainda agarrado a suas pernas. Não olhou ao Nick, só manteve a vista fixa à frente, e o contorno nítido e puro de seu rosto o pôs ainda mais furioso. —Toda sua família é um lixo. Sua mãe é uma puta e seu pai um bêbado de merda. Saiam desta cidade e não se atrevam a voltar nunca mais.

domingo, 28 de março de 2010

FIC Meu Primeiro e Único Amor CAP 1

Era uma manhã esplendorosa de verão. O sol já estava quente e brilhante, quando Cecília Medeiros saiu de casa para ir até os estábulos e acompanhar o trabalho dos empregados do haras de seu pai.

Enquanto caminhava sorridente, cumprimentando um empregado aqui e ali, ela arrumava o chapéu branco, estilo country Stetson, sobre seus cabelos castanhos, médios e ligeiramente ondulados, pensando nos trabalhos a serem realizados, e nem ao menos notava que alguns olhos acompanhavam suas belas pernas, moldadas na sela de um cavalo, em um short jeans justo desfiado na barra.

Hoje, para deleite dos funcionários, ela estava com esse short, uma bota de couro, cano alto, e uma camisa rosa justa sem mangas, amarrada na cintura. Naturalmente, os olhares eram discretos, afinal os empregados mais velhos, aqueles que trabalhavam para o pai de Ciih, antes mesmo de ela nascer, estariam de olho para garantir o respeito que a “patroinha” merecia, pois sabiam que por trás de toda aquela beleza, havia também muita competência, determinação e que ela era capaz de domar qualquer cavalo, somente com palavras e atenção, afinal os animais do Haras Bradley eram “encantados” e não domados a força.

Ao chegar aos estábulos, ela ficou satisfeita, as baias já estavam limpas, a comida e a água distribuída, e os cavalos recebiam os mimos merecidos, eram escovados, seus cascos lixados e encerados e alguns estavam tomando seu banho:

- Bom dia, Srta. Cilia!

- Bom dia, John! Como estão as coisas hoje?

- Tudo em paz. Mais tarde chegará três éguas para Black Spirit cobrir. Parece até que ele sabe, logo de manhã já deu trabalho aos tratadores. O soltamos no curral leste para ele extravasar o te... – John ficou vermelho, havia esquecido que estava falando com uma dama e sua patroa -... A adrenalina.

Cilia notou o rubor de John e deu uma risada gostosa, dando um tapinha camarada nas costas do velho senhor. John Watson, o administrador dos estábulos, trabalhava para seu pai a mais de 25 anos e a conhecia desde bebê, e mesmo sabendo que podia tratá-la de igual para igual, não o fazia. Abraçando John pelos ombros deixando-o mais sem graça ainda, ela disse:

- Pode deixar John, eu vou falar com ele. Ele ficará mais calmo até a hora da chegada das éguas, tudo bem?

Black Spirit era um garanhão potente, o melhor e mais premiado puro sangue do país. Sua linhagem vinha de longa data e todos os seus antepassados, assim como seus descendentes, eram campeões e, suas coberturas custavam alguns milhares de dólares que os outros criadores pagavam com prazer. Mas as éguas escolhidas tinham que ser fortes para agüentar sua empolgação sem correr o risco de se machucarem, mesmo todo o processo ser acompanhado de perto por peritos.

Mais vermelho do que nunca o homem discretamente se desvencilhou do braço de Cilia e respondeu:

- Se a senhorita diz.

Ciih tocou o chapéu, cumprimentando John do jeito que ele costumava fazer com ela e saiu. Passando perto da cesta de maçãs, pegou uma, se dirigiu ao curral onde Black Spirit exercitava-se e assobiou chamando-o perto da cerca. O cavalo relinchou e se aproximou majestoso, balançando sua crina negra e mostrando-se à fêmea.

Cecília estendeu-lhe a mão com a maçã e Black Spirit comeu-a de uma única mordida e ela falou mansamente:

- E aí, garotão, dando trabalho, para todos esses homens metidos a machões? Será que você poderia ficar calminho? Mais tarde você terá belos pares de ancas a seu dispor.

Ela passava a mão no pescoço do animal e como por encanto, ele ia se rendendo, se entregando.

Sem ser visto, John observava-a do estábulo, pensando, que a menina era boa mesmo com os animais.

Cecília levou um susto, quando o celular que estava em seu bolso tocou, assustando também Black Spirit, afastando-se dela.

Quem poderia ser uma hora dessas? Pensou ela. As pessoas que tinham seu número jamais ligariam tão cedo. Tirou o celular do bolso do shorts e viu o nome de sua melhor amiga, Mia Mclean, escrito na tela.

Cecília empalideceu e titubeou antes de atender, só haveria uma razão para amiga ligar-lhe tão cedo assim:

AJ!

A amiga nunca, nem quando eram crianças, acordava tão cedo. Cecília tinha certeza que a ligação de Mia tinha algo a ver com Alexander James Mclean, o irmão mais velho de Mia e o grande amor “impossível” de Cecília, pelo menos por enquanto impossível, pensou Cecília. Ela sabia que um dia AJ seria seu, quando a diferença de quinze anos entre eles não pesasse tanto. Talvez como agora, devaneou ela...

E por um instante Cecília voltou no tempo...

Ela e Mia sempre foram inseparáveis, suas famílias eram proprietárias de fazendas vizinhas e nutriam uma amizade sólida antes mesmo das meninas nascerem.

Elas fizeram e aprenderam quase tudo, juntas, somente se separaram depois do colégio. Cecília foi para a faculdade de Veterinária e Mia foi para a de Moda. Mesmo com a distância continuaram a ser confidentes e era sempre uma festa quando se encontravam nas férias.

Desde quando Cecília se entendia por gente, AJ fizera parte de sua vida e a vida inteira ela fora completamente, abarrotadamente apaixonada por ele.

Ele fora o adolescente e agora o homem mais lindo que Cecília já vira, porém durante todo esse tempo, ela fora tratada por ele, como a outra irmã mais nova.

AJ a havia visto nascer. Dera-lhe inúmeras mamadeiras, a vira dar os primeiros passos, já a colocara para dormir inúmeras vezes, e depois, a ensinara a nadar, a pescar, a cavalgar, e mais tarde, a arte de domar os cavalos através do método Monty Roberts, o famoso encantador de cavalos.

Mesmo com a diferença de idade, ele jamais havia sido como os outros garotos. Nunca a destratara por ser menina, mais nova, mais inexperiente, ele sempre a protegera e bajulara, assim com Mia claro. Fora o irmão e amigo mais perfeito que uma menina poderia querer.

E conforme ela foi crescendo o aparente amor fraternal que sentia por ele foi se modificando.

Quando ela tinha somente três anos, AJ foi para a faculdade e por duas semanas ela ficara doente sem explicação nenhuma. Não comia mais, não queria mais brincar, chorava pelos cantos sem razão. Os pais, preocupados, chamaram o médico da família e depois do exame, dizendo que aparentemente ela não tinha nada físico, perguntou se, por acaso, ela teria passado por algum trauma; se perdera algum animal de estimação, se algum amigo havia se mudado, ou um parente haveria falecido. Então os pais entenderam que ela somente sentia falta de AJ, seu irmão de criação, e por mais incrível que pareça, sua doença acabou quando AJ, a pedido de seus pais e os de Cecília, ligava diariamente para a menina. Contando os dias juntamente com ela, para as férias, quando ele retornaria a fazenda para fazê-la ficar bem.

Aos doze anos, quando as meninas começavam a olhar os meninos não mais como inimigos, ela percebeu que AJ nunca fora o inimigo, nem o irmão, mais seu primeiro e único amor, mas ela sabia que era só uma criança ainda e ele já um homem de 27 anos. Formado na Faculdade de Comércio Exterior e também Zootecnia. Havia estudado como um louco para conseguir acompanhar e cuidar dos negócios da família. E havia também suas conquistas, suas namoradas, fatos que a perturbavam e entristeciam mais do que era normal, mas ela esperaria pacientemente até seu décimo quinto aniversário, onde aos seus olhos, ela seria apresentada à sociedade como mulher.

Cecília sempre fora linda, nascera linda e continuou assim. Já era adorada por garotos mesmo no jardim de infância e bem, ao entrar no colegial, tinha uma legião de fãs, mas nenhum deles tinha qualquer chance com ela. Seu coração já era de outro há muito tempo. Mas na festa de seus quinze anos, ela superou todas as expectativas, ela estava deslumbrante, encantadora e por mais que pareça agressivo dizer isso de uma menina dessa idade; incrivelmente sexy. E era exatamente isso que Cecília queria estar irresistível, pois ela decidira que seria nesse dia que ela declararia seu amor a AJ. Ela tinha um plano e foi esse plano que talvez, a fez perder Alex para sempre.

A festa estava maravilhosa, cheia de convidados ilustres, pessoas que Cecília nem conhecia. E lá estava ele esplendoroso vestido no seu smoking.

AJ havia ficado alto, 1,85m de puro músculo, conquistados com muito esporte e muito trabalho pesado em seu haras. Apesar de hoje trabalhar mais na parte administrativa, ele não perdera o bronzeado que conquistara trabalhando ao ar livre. Seus cabelos eram lisos e castanhos, clareados naturalmente nas pontas pelo sol, seus olhos eram de um castanho profundo, quase pretos, como a parte mais profunda dos mares caribenhos. Seu rosto era forte e tinha o poder de causar impacto, seu maxilar era quadrado, como esculpido em mármore, seu nariz era pequeno em contraste com a boca generosa e os olhos grandes. E não havia uma mulher que não sucumbisse a AJ, caso ele a quisesse.

Além de lindo ele era charmoso, educado, gentil e milionário. E mesmo com todas essas qualidades, AJ estava sempre sozinho nas festas de aniversários ou nos feriados comemorativos e quando os pais decidiam pressioná-lo, pois achava que estava na hora dele arrumar uma esposa, ele desconversava e dizia que ainda não havia achado a mulher certa.

Cecília sonhava que ela era essa mulher...

E se lembrava como uma tortura de todos os detalhes daquela noite.

Ela havia se aproximado quase flutuando na roda de amigos onde AJ estava com uma taça de champagne nas mãos e percebeu com satisfação que todos os homens da roda pararam de falar para olhá-la com admiração, ela pediu a AJ docemente:

- Posso falar-lhe por um instante?

- Claro! – respondeu AJ solicito – com licença – pediu educadamente e pegando o cotovelo de Cecília se dirigiu a um lugar mais reservado, perguntando:

- Algum problema, Ciih?

Cecília tremia, pegou o copo das mãos de AJ e bebeu o champagne num só gole. Precisava do álcool para que tivesse coragem e o fez antes que AJ pudesse impedi-la, tirando o copo vazio de suas mãos dizendo alarmado:

- Hei! Que eu saiba você está fazendo quinze anos e não dezoito. Bebidas alcoólicas ainda são proibidas para você.

Cecília percebeu que AJ estava um pouco alterado, ele devia ter bebido mais do que costumava. O que era uma surpresa! AJ jamais ficara bêbado sem um bom motivo, pelo menos nas festas das famílias, mas precisava continuar com seu plano e disse sedutora:

- E beijar, AJ, eu já posso beijar ou preciso alcançar a maioridade para isso também?

AJ pareceu perturbado, mas mesmo assim disse:

- Por mim, você não beijaria ninguém até precisar de bengala para se manter em pé – a resposta pegou Cecília de surpresa, mas AJ continuou:

- Por que, Ciih, você quer beijar alguém? – para sua surpresa, ele observava atentamente sua boca.

- Não... – a voz de Ciih falhou quase a entregando, mas conseguiu firmar a voz e completou - não quero, mas querem me beijar!

- Quem?

- Matheo.

- E você quer minha opinião se deve ou não beijar esse tal de Marco? É isso?

- Matheo.

- Tanto faz.

Cecília não estava reconhecendo AJ. Ele sempre fora tão sério, tão gentil e de repente parecia sarcástico. Sim, pensou, podia ser o excesso de bebida. Ela tomou coragem e por fim disse:

- Não, AJ, eu não quero sua opinião, eu quero sua ajuda. Eu preciso que você me ensine a beijar, caso, bem, eu queira beijar Matheo depois.

- O quê?! – AJ arregalou os olhos e olhou-a como a uma estranha

- Isso que você ouviu, eu preciso que você me ensine a beijar...

- Cristo! Eu não posso fazer isso, você é minha irmãzinha...

- Não, AJ, eu não sou sua irmãzinha! Eu não acredito que você me negará isso no dia do meu aniversário – ela fez um beicinho que sabia que AJ não resistiria, ele nunca conseguira dizer não ao seu beicinho – eu preciso aprender a beijar. E por que não com você? Sei que não zombará de mim, caso eu seja um fracasso...

- Não, Ciih, não e não – ele começou a se afastar dela.

- Por favor, AJ – ela segurou seu braço e lá estava aquele beicinho de novo – eu não acredito que você fará isso comigo. Você não vê, eu estou precisando de você, agora, me ajude, por favor... Você quer que todo mundo pense que eu sou uma fraude, todo mundo do colégio acha que eu sou uma expert em beijar, em seduzir...

- E posso saber o porquê deles pensarem assim? No mínimo você deve ter dado motivos.

- Não, eu não dei... – ela hesitou antes de falar – acho que o problema é minha aparência. Já ouvi algumas pessoas no colégio comentando que sou uma explosão de sexualidade e que seria impossível eu ter somente quinze anos... Com esse corpo... É isso, eu não posso simplesmente ser uma negação beijando, se outros acham que eu sou boa nisso.

- E desde quando você se preocupa com que os outros falam Ciih? O que está acontecendo com você? Primeiro essa coisa de eu te ensinar a beijar... Não, não adianta fazer esse beicinho, dessa vez não vai dar.

- Por favor, AJ, por favor – ela tinha lágrimas nos olhos. Ela precisava convencê-lo, claro que não existia nenhum Matheo que queria beijá-la. Ela somente queria que seu primeiro beijo fosse com AJ, jamais imaginou que ele iria negar-lhe, já que ela sabia que ele já havia beijado metade do estado.

Então resolveu jogar um pouco mais baixo:

- Meu Deus, como você está chato! Eu só estou pedindo um beijo, não é nada demais já que beijou mais garotas do que você pode contar, eu somente seria mais uma da sua lista.

- Eu não sou chato! Mas você... Eu não posso beijá-la como se você fosse mais uma... Você não entende...

- Sei, sei! Eu não sou sua irmã, droga, eu só estou pedindo para que você me ensine a beijar...

Algumas cabeças se viraram para olhá-los, sem perceber eles haviam se alterado e falavam quase gritando e AJ sabia que a última frase fora ouvida por algumas pessoas.

Pegando firme a mão de Ciih, AJ começou a puxá-la para longe dos convidados. Ele saiu do salão, onde estava se realizando a festa e foi para o jardim, mas onde ele olhava havia gente e continuou arrastando Cecília.

- AJ, você está me machucando, me solte...

- Não, você vem comigo! Você quer uma porcaria de um professor de beijo? É isso que você terá!

Cecília lembrava-se como seu coração acelerou e seu corpo automaticamente começou a tremer e ela só conseguia pensar: ele vai me beijar, ele vai me beijar..., não importava mais que seus pés, a todo instante, viravam por causa do salto alto, ou os tropeções que dava, ao enroscar-se na barra do vestido longo.

AJ não achava um lugar que não houvesse ninguém, eles andaram, passaram pelos carros estacionados e mesmo nos carros havia adolescente se agarrando. Ele acabou chegando perto dos estábulos e Cecília pôde sentir o cheiro tão familiar de feno misturado com o dos cavalos, que ela amava e conhecia desde quando nascera, assim como era com AJ.

Sem ao menos dizer o que ele iria fazer, AJ encostou Cecília na parede lateral do estábulo e grudou sua boca na dela, sem aproximar o corpo, segurava firme o pulso de Cecília. Foi um beijo sem carinho, somente lábio contra lábio, mesmo assim, Cecília achou que iria desfalecer. Em sua mente a mesma frase se repetia agora num tempo verbal diferente: ele está me beijando, ele está me beijando...

E aos poucos AJ amenizou a pressão. E somente com os lábios ele a beijava suavemente. Primeiro os lábios superiores de Ciih, depois os inferiores, dando leves mordidas, sem machucar. Cecília não agüentava mais, entreabriu os lábios convidando, instigando AJ a aprofundar o beijo e ele não hesitou tomou posse do que já era seu. Passou sua língua vagarosamente entre os lábios de Ciih e entrou já explorando o interior de sua boca. Ciih soltou um gemido de puro deleite e mesmo sem nenhuma experiência, seu instinto a fez se aproximar mais de AJ e grudar seu corpo no dele.

AJ soltou o pulso de Ciih e a enlaçou pela cintura, trazendo como se fosse possível, mais para perto de si. O beijo agora se transformava num beijo exigente, apaixonado. Eles não sabiam mais de quem eram os gemidos. Cecília percebeu, com a pouca coerência que ainda lhe restava, que simplesmente AJ havia se entregado. Ele era dela ali, somente dela e nada mais importava.

Quando ele desesperadamente tentou alcançar suas coxas já bem torneadas pelo manejo com os cavalos, no meio de todo aquele tecido e tule, ela não resistiu ou protestou. Quando ele finalmente conseguiu chegar a suas pernas e rasgou sua meia-calça, ela somente gemeu e arqueou os quadris oferecendo-se, pedindo mais. Em nenhum momento ele parou de beijá-la, nem ao menos para explorar seu pescoço ou seu colo exposto pelo decote tomara que caia. E quando ele afastou sua calcinha e introduziu delicadamente um dedo dentro dela, já úmida e quente, ela achou que desmaiaria de tanto prazer e o gemido de AJ dizia mais do que qualquer palavra.

Ele pegou a mão de Ciih e a pressionou sobre sua calça, mostrando sua excitação. Ciih sentiu pela primeira vez a rigidez de um membro masculino em suas mãos, mais uma vez por instinto começou a massageá-lo sobre o tecido, fazendo AJ intensificar sua investida dentro dela. Agora ele introduzia, num movimento frenético de vai e vêm, dois dedos dentro de Ciih e com o seu polegar massageava seu clitóris, levando Cecília a um ponto inimaginável de excitação. Cecília se pressionava a ele, sem entender até onde aquela agonia prazerosa iria levá-la e numa contradição espantosa, ela não sabia se queria que aquilo acabasse ou jamais terminasse.

E a única frase entrecortada que ela ouviu de AJ foi:

- Solte-se... Deixe vir... Vem comigo, Ciih... Vem...

Seu corpo aceitou sem questionar o comando dele. Primeiro ela sentiu seu corpo se retesando e depois se soltando com uma explosão de puro gozo.

Cores.

Espasmos corporais.

Perda total da capacidade de se manter em pé.

AJ abafou seu grito com sua boca e ela sentiu em sua mão a essência do macho, quente e úmida.

Totalmente entregue, com sua cabeça apoiada no ombro de AJ, ela sentia a respiração dele, voltando ao normal em seu pescoço, enquanto com uma mão atrás de suas costas ele se segurava na parede do estábulo e outra ele tirava gentilmente de entre suas pernas. Passando a língua nos lábios ressequidos e inchados, ela preguiçosamente disse, limpando a garganta para a voz sair:

- Eu amo você, AJ, amo você...

AJ como acordando de um pesadelo e não de um sonho bom, afastou-se de Cecília bruscamente, quase a fazendo cair, virou-se de costas, tampou seu rosto com as mãos.

Cecília sem entender nada e sentindo um frio repentino, sem saber se pela falta dos braços de AJ, ou pelo sentimento inesperado que a acometeu: ela poderia perdê-lo para sempre. Tentou se aproximar colocando a mão no ombro de AJ, chamando baixinho.

AJ se encolheu como se o toque dela fosse contagioso, virou-se vagarosamente, dizendo, em tom de lamento:

- Ah, Ciih, ah, Meu Deus, o que eu fiz? – o restante da frase foi como um golpe físico em Ciih – você é somente uma criança... Uma criança... Como uma irmã para mim! E eu a tratei como uma... Uma...

Ciih se afastou com a mão no estômago e quase gritou:

- Não!

- Sim, Ciih, sim. Eu sou um homem, porra! Homem! Não uma droga de um moleque com os hormônios alterados, eu deveria ter me controlado, me desculpe...

Enquanto AJ falava, Cecília somente conseguia balançar a cabeça negativamente, dizendo não, não e lágrimas escorriam sem parar de seus olhos.

- Você não entende, eu sou o cara que deveria te proteger de homens como eu, que se aproveitam de meninas ingênuas como você... E olhe que eu fiz me comportei como um cafajeste, nunca me senti tão vil, como agora...

- Pare AJ, por favor, pare – Cecília chorava, ela não podia acreditar que AJ não a amava que AJ não havia percebido que algo maravilhoso e especial tinha acontecido que cada palavra que ele pronunciava era como um golpe físico nela.

- Não, Ciih, você que não está compreendendo! Como poderei encarar seus pais, meus pais, depois disso?! Eu sou como o irmão que você não teve para eles, meu papel sempre foi e sempre será de protegê-la, cuidar de você... Não denegri-la a uma qualquer, olha o estado que você está...

- Eu estava ótima, até você começar a falar esse monte de besteiras! – gritou Cecília – será que você não consegue ver? Eu amo você, sempre amei e...

- Não, por Cristo, não! O que você sente por mim, é somente uma admiração, um amor fraternal, você nem tem idade para saber o que realmente é amar alguém... Você é só uma criança e eu... Aproveitei-me de você... Não tem desculpa o que fiz... – AJ mais uma vez praguejou e xingou sem conseguir se controlar.

- Pare de achar que eu sou só uma criança, você não se aproveitou de mim, você sabe melhor que ninguém, AJ, que nenhum homem conseguiria fazer o que você fez se eu não deixasse, se eu não quisesse – Cecília tentou se aproximar, mas AJ não deixou, afastando-se – lembra você mesmo me ensinou, eu monto cavalos desde os três anos e domo-os desde os dez, você acha que não tenho força para impedir um homem de por a mão em mim? Eu queria você, eu quero você, eu amo você...

Cada palavra de Cecília fazia AJ dar um passo para trás, Cecília sabia que estava perdendo-o e isso a estava dilacerando e ela não sabia o que fazer para mudar o que estava acontecendo.

- Ciih, me perdoe – AJ tinha lágrimas nos olhos, Cecília nunca havia visto AJ chorar, nunca. Para ele, homens, principalmente cowboys, não choravam jamais e vê-lo tão abatido, envergonhado, a encheu de culpa e vergonha.

- AJ...

- Desculpe-me, perdoe-me, mas estou mal agora, preciso sair daqui, merda! Preciso... Estou me sentindo o último dos homens, um escroto. Eu não vou conseguir voltar para sua festa, como se nada tivesse acontecido. Sei que deveria ficar e lhe dar apoio, dizer coisas que amenizasse o que fiz, mas... Simplesmente, não dá... Eu preciso sair daqui... Eu preciso ir embora...

- Não, AJ, fica comigo, por favor, eu...

- Não, Ciih, a única coisa que posso lhe dizer agora, é que esse sentimento que você pensa ter por mim...

- Eu não penso, eu tenho!

- Tudo bem, querida, tudo bem, esse sentimento que você tem por mim, irá se mostrar da maneira como ele é, que é admiração, paixão de adolescência e desaparecerá com o tempo e tenho medo que um dia você me odeie pelo que aconteceu hoje e eu não poderei viver com seu ódio...

E uma explosão de raiva acometeu Cecília:

- Eu não vou odiá-lo ALEXANDER JAMES MCLEAN, eu já o odeio...

Cecília saiu correndo em direção a casa, segurando seu vestido todo amassado, chorando. Ela queria que AJ viesse atrás dela, consolá-la, pegá-la nos braços dizendo que a amava, mas AJ não veio. E ela conseguiu com a ajuda de Mia se recompor e voltar à festa, para não ter que dar maiores explicações aos pais. Ela lembrava-se que Mia queria matar o irmão, mas ela disse que o deixasse em paz que toda culpa era dela mesma, acreditando que um homem olharia uma menina como ela, como uma mulher.

E depois desse dia, Cecília o havia visto somente em mais três ocasiões, dois natais e um aniversário de Mia e somente por alguns minutos, que sempre que ela chegava, ele arrumava uma desculpa para ir embora. AJ mudou-se da fazenda para o apartamento em Dallas, transferindo os principais negócios da família para o escritório de lá, alegando que assim facilitaria a abertura de novos contratos e negociações.

E agora havia mais de três anos que eles não se viam e todas às vezes que Cecília tentava contato, ele inventava uma desculpa, ou quando atendia suas ligações, falavam de banalidades. AJ jamais mencionara o ocorrido e quando Ciih tentava, ele desligava inventando mais desculpas.

Mas seu amor, não era somente admiração, não era uma paixão de adolescência e não desaparecera com o tempo, ela ainda o amava, mesmo agora com 20 anos, ela não o havia esquecido e tinha certeza que esse telefonema de Mia, mudaria para sempre sua vida.

 
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